AS
ESCOLAS PRÉ-SOCRÁTICAS
Os
chamados filósofos pré-socráticos, que viveram entre os séculos IV a.C. a V
a.C., provêm dessas cidades e essa origem os identifica. Assim, falamos de
Tales de Mileto,
Anaxímenes
de Mileto, Pitágoras de Samos, Heráclito de Éfeso,
Empédocles
de Agrigento, Anaxágoras de Clazômena, Leucipo de Abdera, Demócrito de Abdera,
Parmênides de Eleia.
Em
vista da distância histórica e das fontes documentais precárias que
permaneceram para a posteridade, em sua maioria fragmentos de obras, algumas
completamente perdidas, esses primeiros filósofos são estudados de maneira
agrupada, isto é, por região, ou teorias com algum grau de semelhança. Por
isso, falamos em escola jônica, isto é, as colônias gregas localizadas na Ásia
Menor; escola eleata, de Eleia na Magna Grécia. Os dois outros grupos são
reunidos por preocupações semelhantes e provêm de diferentes partes da região
expandida da Grécia.
O
que você deve perceber nas teorias, que serão brevemente expostas a seguir, não
é a verdade ou falsidade de suas afirmações, mas a maneira como organizam as explicações,
buscando como causa a phýsis em sua visibilidade ou a arkhé. O visível e o
invisível nem sempre separam e definem esses termos, pois, em alguns casos,
eles coincidem.
Vamos
conhecê-las!
A escola jônica
Chamados
de físicos ou naturalistas, os filósofos considerados dessa divisão são: Tales
de Mileto (cerca de 625/4-558/6 a.C.), Anaxímenes de Mileto (cerca de 585-528/5
a.C.) e Anaximandro de Mileto (cerca de 610-547 a.C.), que elaboraram teorias
hilozoístas, atribuíram movimento próprio e transformação à matéria.
Tales
de Mileto é considerado o primeiro filósofo e também um dos 7 Sábios da
Antiguidade.
Aristóteles
(em Metafísica, I, 3.983 b6) expressou da seguinte maneira as ideias de Tales:
“Tales, o fundador de tal filosofia [cosmologia], diz ser a água [o princípio],
levado sem dúvida a esta concepção por ver que o alimento de todas as coisas é
úmido, e que o próprio quente dele procede e dele vive (ora, aquilo de que as
coisas vêm é, para todos, o seu princípio)”. Existem informações secundárias
sobre certas habilidades práticas de
Tales,
que teria sido político e uma espécie de engenheiro, por ter estudado a causa das
enchentes do rio Nilo em sua viagem ao Egito e pretender desviar o curso de um
rio. A ele também se atribui a descoberta da constelação da Ursa Menor, um
auxílio à navegação.
A
definição da água como phýsis ou princípio explicativo de tudo o que existe e
de como tudo veio a ser confere, ao mesmo tempo, unidade à causa e à ideia de
que esta causa, de onde tudo parte e para a qual regressa, possui um movimento que
lhe é inerente. Pode-se encontrar, portanto, na natureza um elemento que explica
a origem da vida e o seu próprio movimento desta: no estado úmido, encontra-se
vida; no ressequido, a morte.
Anaxímenes
de Mileto segue o raciocínio de Tales, escolhendo na natureza um elemento que
organiza e explica a ordem do universo. Para ele, este é pneuma, palavra
traduzida por ar, sopro vital e também alma ou espírito. Anaxímenes concebe o
ar como phýsis e como arkhé. A ordem do mundo se estabelece no ritmo de uma respiração
vital. Em um fragmento compilado por Simplício (Aécio, I, 3.4), lemos: “Como
nossa alma, que é ar, soberanamente nos mantém unidos, assim também todo o
cosmo sopro e ar o mantém”. Nesse sentido, novamente, a matéria, o ar em
diferentes estados, interna e externamente, possui a qualidade de movimentar a
si mesmo.
A
definição de phýsis contrasta com a de Anaximandro, no que diz respeito ao
aspecto indeterminado do apeíron. O ar é infinito, mas determinado como matéria
menos corpórea do que a água.
Anaximandro
de Mileto foi discípulo de Anaxímenes. Em sua cosmologia, o princípio explicativo
que rege a ordem das coisas torna-se mais claramente arkhé, pois não
corresponde mais a um elemento mais ou menos visível na natureza. Tratase do
ápeiron; o prefixo “a” significa ausência ou negação de
“peras”,
que significa limite. Literalmente ápeiron é o “sem limite” ou ilimitado,
entendido pela quantidade, e indeterminado ou indefinido, pela qualidade.
O
apeíron é um princípio eterno, imortal e imperecível, isto é, não foi gerado, não
degenera e não finda. Essa é uma importante distinção de sua cosmologia em
relação às
teogonias,
nas quais os deuses eram gerados e, mesmo que fossem imortais, não existiram
desde sempre. O devir surge do apeíron como ordem temporal das coisas que, ao
fim, a ele retornam. Essa ordem temporal é entendida como uma lei necessária,
sob o jugo da justiça e injustiça. Conceitos que se desprendem do vocabulário
da polis e integram as cosmologias.
A escola pitagórica ou itálica
A existência histórica de Pitágoras de Samos
(cerca de 580/78-497/6 a.C.) não foi comprovada. Costuma-se atribuir a ele a
própria composição da palavra filosofia (philia+sophia).
O
filósofo seria um frequentador de jogos públicos que não se deixaria levar pela
emoção, mas pela observação distanciada.
Essa
definição bem como a “paternidade” do teorema de
Pitágoras
não são comprováveis e se misturam à figura lendária do filósofo que teria
nascido na ilha de Samos, ao lado da Ásia
Menor.
Já o pitagorismo existiu como movimento, no outro extremo do mapa, na Magna Grécia,
atualmente, sul da Itália e Sicília.
Ensinamentos, contribuições e decadência
do pitagorismo
Com
base no orfismo, a doutrina pitagórica acreditava na reencarnação da alma e
propunha um processo de purificação através da vida contemplativa ou theoria,
isto é, contemplar com os olhos do espírito, examinar para conhecer.
Cultivava-se uma prática de purificação por meio do silêncio, do isolamento e
da abstinência de sexo, carnes e bebidas alcoólicas. Buscavase a alma de tipo
contemplativa, evitando as de tipo cúpida e mundana, limitadas às esferas da paixão
e da vaidade.
Esse
aspecto moral jamais desapareceu do pitagorismo, compondo um grupo em seu interior
conhecido como acústicos ou acusmáticos. O outro grupo era o dos matemáticos,
que, segundo Aristóteles, muito contribuíram para o avanço da matemática,
criando a geometria e estabelecendo a relação entre geometria e aritmética.
Definiram
pela primeira vez a ideia de unidade, de sequência ordenada de números,
distinguiram o número par (divisível e ilimitado) e o número ímpar (indivisível
e limitado), definiram campos, limites e pontos.
Quando
falamos em matemática, é bom lembrarmos que se trata de um conhecimento que
possui diferenças fundamentais com o que hoje entendemos por essa matéria. Em primeiro
lugar porque os números não são algarismos, uma abstração inventada pelos
árabes, mas palavras, sendo que a ideia de zero não existe.
O
número um, por exemplo, representa para o pitagorismo esse princípio ou arkhé
de todas as coisas, a harmonia e proporção, a unidade primeira, na qual existe
a totalidade de todos os números.
Todo
o conhecimento depende dessa unidade e do movimento que se estabelece a partir
dela.
O
início do desenvolvimento da matemática foi o estudo da lira tetracorde, a lira
de quatro cordas de Orfeu, utilizada nos rituais de purificação. Desse estudo
surgiu uma figura geométrica composta por 10 pontos, distribuídos em forma de triângulo,
com quatro pontos de cada lado e um no centro. A figura foi chamada de tetráktys
da década, ou seja, o número dez (década), constituído por quatro (tetra)
pontos, com um ponto no centro. O resultado é uma figura perfeita que combina a
unidade, a díade, a tríade e a quadra e resulta em uma harmonia perfeita entre números
pares e ímpares:
Dessa
figura, resultam outras, que os pitagóricos intitulam de número quadrado e o
número retângulo. A continuidade dos estudos matemáticos revelou outras figuras
geométricas, o pentágono e a estrela de cinco vértices nele contida, mas
conduziu também à ruptura dos pitagóricos, que se deu entre o grupo dos
matemáticos e os que prezavam os ensinamentos morais e as práticas ascéticas. O
famoso teorema de Pitágoras, isto é, que se atribui a Pitágoras, mostra o
descaminho do ideal que buscava a unidade no número, pois não se pode mais
representar um número inteiro nem por uma fracção de números inteiros.
Heráclito
de Éfeso (cerca de 540-470 a.C.)
Heráclito
de Éfeso é considerado, ao lado de Parmênides, o fundador de preocupações
centrais da filosofia e do conhecimento. Você pode perceber a presença do
orfismo no fragmento abaixo, transcrito em seu contexto e a ênfase dada ao
movimento:
Fragmento
XXXVI:
Orfeu
poetou: “para o vapor é água mutação, para as águas, morte; da água, terra, e,
da terra, novamente água: desta, então, vapor, todo éter modificando-se”
(Fonte: Clemente de Alexandria, Stromata, VI, 17)
Heráclito
daí colhe suas palavras, quando assim escreve: “para os vapores, tornar-se água
é morte; para a água, tornarse terra é morte; mas da terra nasce a água, da
água, vapor”
(COSTA,
2002, p.93). Essa transformação das coisas, que é incessante, transparece nos
famosos fragmentos abaixo citados, (idem, p. 205):
Fragmento
XLIX:
“Nos
mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos” . Fragmento L: “Não é possível entrar duas vezes no mesmo
rio”.
Esses
fragmentos refletem a questão do movimento e a transformação constante, na qual
estamos imersos. Não é possível entrar duas vezes no mesmo rio, pois as águas
não são mais as mesmas e nós não somos os mesmos, estamos todos em constante
estado de mutação. Essa mudança, no entanto, ocorre de maneira equilibrada ou
como equilíbrio de
opostos,
resultando em harmonia por meio do conflito.
Heráclito
nomeia dois princípios para expressar esse movimento e o conflito que existe
dentro de uma medida: o lógos e o fogo primordial. Eles são arkhé como
princípios organizadores e explicativos de todas as coisas. O fogo que nunca se
apaga não corresponde exatamente ao elemento natural, mas simboliza a medida
equilibrada de todo movimento. O lógos é uma espécie de lei que comanda a
multiplicidade aparente das coisas, conferindo-lhe unidade e harmonia.
O
mundo é um eterno devir para Heráclito, mas não como movimento desordenado, não
há caos e particularidades, mas há o lógos que ordena e equilibra a realidade
aparente.
Heráclito
critica veementemente todo conhecimento que se baseia na opinião (dóxa),
critica também os poetas
Homero,
Hesíodo e os pitagóricos. Como Parmênides e Platão,
Heráclito
funda seu pensamento na oposição entre aparência e essência.
A escola eleata
O
principal eleata é Parmênides (cerca de 530-460 a.C.).
Quando
lemos o fragmento do belo poema intitulado “Sobre a natureza”, imaginamos tratar-se
de um poeta e não daquele que inicia a lógica, fundando os princípios de identidade
e de não-contradição. Parmênides funda igualmente a ontologia, ao utilizar a
palavra Ser para expressar a arkhé de todas as coisas.
No
poema, após evocar as musas, que mostram o caminho à carruagem conduzida por
aquele que quer saber, abrindo as portas do céu e ultrapassando umbrais, ele e
as musas chegam à Deusa (a razão) que se dirige desta forma ao aprendiz:
Pois
bem, eu te direi, e tu recebes a palavra que ouviste, os únicos caminhos de
inquérito que são a pensar: o primeiro, que é e portanto que não é não ser, de
Persuasão é caminho (pois à verdade acompanha); o outro, que não é e portanto
que é preciso não ser, este então, eu te digo, é atalho de todo incrível (*no
qual não se deve crer); pois nem conhecerias o que não é, nem o dirias.
(In:
PRÉ-SOCRÁTICOS, 1978, p.142).
Só
aquilo que é (o Ser) pode ser pensado e dito. O que não é (o não-Ser) não pode
ser pensado, nem dito. Parmênides cria, portanto, uma identidade entre ser,
pensar e dizer que elimina o seu oposto como via de investigação impossível. O primeiro
caminho, o único que deve ser percorrido por aquele que quer conhecer, é o caminho
da verdade (alétheia). O caminho a ser evitado é o da opinião (dóxa). O Ser,
possível de ser conhecido por meio do primeiro caminho, é entendido por
Parmênides com base nas seguintes características: não foi gerado e não perece,
isto é, é eterno, fixo, imóvel, uno, contínuo, inteiro, sem fim, indivisível,
idêntico a si mesmo, pleno, encontra-se em limites como o de uma esfera.
Aparência
e essência, novamente, são os polos estruturais da oposição entre opinião, como
uma falsa ou aparente verdade, e essência, a que é verdadeira e alcançável apenas
pelo pensamento. Nesse sentido, Parmênides concorda com Heráclito e ambos
criticam a dóxa. A grande divergência entre os dois filósofos ocorre em função
do movimento e da imobilidade do Ser.
Zenão
de Eléa (cerca de 504/1-? a.C.), discípulo de
Parmênides,
não escreveu uma cosmologia, mas se empenhou em criar raciocínios lógicos
complicados, chamados aporias, para defender seu mestre, submetido a
verdadeiras pilhérias ao não aceitar o movimento como hipótese para o
conhecimento verdadeiro.
Podemos
afirmar que jamais a filosofia nascente será a mesma diante desse confronto
Parmênides-Heráclito, pois como explicar o movimento e a multiplicidade que
enxergamos no mundo como resultado de um princípio imóvel e completo que não
admite o movimento? Ou como pensarmos o mundo como devir/movimento constante,
sem precisar um princípio de identidade que se separa da realidade
transformadora?
A escola da pluralidade
Esta
escola é justamente caracterizada por teorias que multiplicam o princípio ou
ser parmenediano e buscam conciliá- lo com o movimento heraclitiano. Vamos
conhecer os princípios nomeados pelos filósofos dessa escola?
Empédocles
de Agrigento (cerca de 490-435 a.C.): compõe sua cosmologia com base na
combinação do ser parmenidiano, dividido em quatro raízes (rizómata) e duas forças
de movimento: philia e neikos, amor ou amizade e ódio.
As
quatro raízes correspondem aos quatro elementos naturais: terra, água, ar e
fogo. Elas, embora separadas, guardam as características do ser de Parmênides.
A diferença é que para
Parmênides
o ser era indivisível. A solução para o conflito, originado pela oposição Heráclito-Parmênides,
é admitir o movimento de união e separação. No início de tudo, as raízes estavam
misturadas, foi necessária a ação de neikos para separá-las. Separadas,
contudo, elas não geram, nem reciclam suas características próprias. Philia
vem, portanto, reunilas novamente, até o momento em que se faz necessária a intervenção
de neikos. Desse movimento de união e separação, surgem todas as coisas e a
ordenação da natureza.
Anaxágoras
de Clazômena (cerca de 500-428 a.C.):
Se
as raízes multiplicam o ser de Parmênides, as sementes (spérmata) pensadas por
Anaxágoras, com as mesmas características do ser parmenediano, fragmentam mais
ainda o ser. Elas não são visíveis ao olho humano. Em relação ao movimento,
Anaxágoras, diferentemente de Empédocles, nomeia uma só força: noûs (inteligência
cósmica). No início havia uma indissociação de elementos, misturados em um magma
primitivo. O noûs criou, de fora dessa mistura, um movimento turbilhonante que
separou as sementes de maneira múltipla e originou tudo o que existe. Leucipo
de Abdera (outras fontes se referem a Mileto ou Eleia) (cerca de 500-? a.C.) e
Demócrito de Abdera (cerca de 469-360 a.C.): esses atomistas, além de
radicalizarem a multiplicação do ser parmediano, criam em sua teoria uma compreensão
inédita: a admissão do não-ser como vácuo.
Átomo,
que literalmente quer dizer o não-cortável, corresponde ao ser de Parmênides, à
diferença que são múltiplos, infinitos e automoventes. Se eles correspondem ao
ser, o espaço, no qual se movem, não pode coincidir com a ideia de ser. Logo, o
espaço vazio, no qual os átomos se movem, chocando-se uns contra os outros e
originando todas as coisas existentes no universo, é o vácuo ou o não ser.
Nessa teoria, que não descarta a ideia central de ser em Parmênides e não nega
o movimento do qual tudo se origina de Heráclito, encontramos a variação mais
ousada das teorias pluralistas e que exercerá forte influência em seus
sucessores.
Fonte: Educação,
história e sociedade : módulo 1 : Filosofia e
Educação, volume 2 / Elaboração de conteúdo: Carla Milani Damião. – [Ilhéus, BA] : UAB/UESC,
[2009]. 1 v. (várias paginações).
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