Depressão pós-traição
O sentimento mais imediato que a
infidelidade provoca, no entanto, é uma mistura de mágoa, contrariedade, ira,
arrependimento, ânsia de vingança ou revanche. Em geral, nessa fase de enorme
frustração os sentimentos não são bem definidos, alternando-se de um para
outro, da mágoa para a raiva, do arrependimento para a vingança, da sensação de
impotência para o desespero da reconquista. “Fiquei sem chão...”, “... meu
mundo acabou”, são as expressões mais ouvidas nessas circunstâncias.
Pode haver também uma relação entre o
cotidiano social atribulado e o desgaste das relações interpessoais conjugais.
De fato o cotidiano é, sobretudo, ávido por nosso ser. Ele, o cotidiano, se
apossa da pessoa submetendo-a à tirania de “ter que”; ter que ir ao banco, ter
que comprar isso e aquilo, ter que responder e-mails, cumprir compromissos,
enfim, sempre se tem que fazer alguma coisa que acaba distanciando uma pessoa
da outra. Por sinal, devido a disponibilidade total da outra pessoa,
acredita-se erradamente que ela pode esperar quando não se tem mais nada que
fazer.
Para as pessoas que sempre citam
comparações esdrúxulas dizendo que apenas o ser humano trai e não os animais, é
bom saber que, de fato, trair é uma condição humana por excelência. Evitar isso
implica na pessoa procurar entender o mais rápido possível que está tendo um
relacionamento com “uma pessoa humana”, portanto, com alguém capaz de sentir,
aspirar, desejar, se magoar e se comportar, inclusive capaz de trair, como
qualquer humano.
Talvez a pessoa traída estivesse tão
inebriada por crenças sobre a natureza pétrea de seu relacionamento que não
seria capaz de ver o que se passava em sua volta. Com incômoda freqüência vemos
o traído como um homem voltado para o trabalho, para o dinheiro ou para seu
papel social e, no caso da mulher, uma pessoa concentrada em sua vida pessoal,
doméstica e dos filhos. Homens e mulheres deixados, seja por traição ou não,
demoram a se adaptar ao ocorrido e geralmente não se conformam nunca mais,
embora reconheçam, depois de algum tempo, terem perdoado. Essas pessoas
costumam ficar revendo sistematicamente o passado em busca de onde foi que
erraram, do que poderia ter sido feito e não foi.
Algumas pessoas, como foi dito, se
dizem perplexas por terem sido pegas de surpresa, acreditando que estava tudo
muito bem, que não havia motivos para a separação ou traição, que não mereciam
essa situação, entretanto, quando desejam uma reaproximação ou reconquista,
quase sempre prometem as mesmas mudanças que antes teriam sido bastante
necessárias... Ora, se sabem o que é necessário mudar para reconquistarem a
pessoa amada, é porque sabem que isso tudo poderia ter sido mudado antes. Em
outras palavras, prometer mudanças significa que as coisas não estavam tão bem
assim e que não houve um acontecimento totalmente inesperado.
As pessoas podem ser sempre melhores
para seus pares, diminuindo assim as chances de perda do encantamento, ou seja,
do relacionamento. E tanto as pessoas podem ser melhores que aquelas deixadas
produzem grandes transformações em suas vidas depois do fim da relação: perdem
o peso excessivo, deixam de fumar, entram em academias, fazem lipoaspiração,
lifting, clareamento dos dentes, mudança de hábitos, procuram tratar o ronco
noturno, o mau humor. Embora tudo isso faça parte do aresenal usado para
melhorar a autoestima da pessoa que se sente deixada ou traída, mostra também
que tudo isso poderia ter sido feito antes e ter melhorado o relacionamento
agonizante.
Ballone, GJ - Depressão pós-traição, in. PsiqWeb,
Psiquiatria Geral, disponível na Internet em http://www.psiqweb.med.br/, 2011
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