Nos últimos anos, vivemos um progressivo
crescimento do número de instituições de ensino superior no Brasil, gerando
como consequência, um expressivo aumento de ingressantes que se matriculam nos
mais diversos cursos disponibilizados. As políticas públicas que visam o
fomento desse ingresso no ensino superior, despertam nos jovens brasileiros a
vontade de diplomarem-se e assim se qualificarem para o seu desenvolvimento
pessoal e para a sua carreira profissional. Mas, na maioria das vezes o jovem
brasileiro não planeja o desenvolvimento de sua carreira, gerando com isso
insatisfação com as suas escolhas profissionais, assim como a não identificação
e adaptação com a rotina universitária e os novos desafios que ela irá impor em
seu contexto de vida.
Um reflexo importante dessa insatisfação com o
ensino superior é a evasão, caracterizada pelo abandono ou trancamento do
curso, refletindo também o empobrecimento do comportamento exploratório desse
aluno, assim como do seu autoconhecimento (Bardagi e Hutz, 2012; INEP, 2011).
Assim, este estudo objetiva analisar a evasão
universitária no ensino superior através de uma revisão bibliográfica sobre o
contexto do processo evasivo dos alunos dos cursos de graduação, averiguando os
motivos que os levam a tomar a decisão de evadir.
2. Revisão de Literatura
Um contexto de desenvolvimento importante dos
jovens adultos em diversos países é o meio acadêmico. Para grande parte dos
estudantes, no Brasil, o curso superior ainda é a forma privilegiada de
ascensão social e realização profissional, sendo uma continuidade entre a vida
escolar e a inserção laboral (Bardagi e Hutz, 2012).
Ao ingressar no ensino superior, muitos fatores
contribuem para a permanência ou afastamento do acadêmico desse ambiente
universitário, a necessidade de acolhimento e apoio por parte da família
torna-se fundamental nesse momento de transição. A participação da família e o
apoio social percebido pelos indivíduos às suas escolhas de carreira são temas
frequentes na literatura (BARDAGI e HUTZ, 2008).
Segundo Bardagi e Hutz (2008):
As expectativas das pessoas quanto ao próprio futuro profissional estão
sempre carregadas de afetos, esperanças, medos e inseguranças, não somente
seus como também de familiares e amigos mais próximos. Pesquisadores internacionais
e brasileiros têm apontado que a participação parental no desenvolvimento de
carreira dos filhos é ampla, compreendendo aspectos bastante diferenciados, a
saber: o desenvolvimento de valores e atitudes de trabalho, autoconfiança e
autoeficácia, habilidades de tomada de decisão, comprometimento com a carreira,
fornecimento de oportunidades educacionais e de trabalho, desempenho acadêmico,
segurança nas transições de carreira, bem-estar psicológico, além do incentivo
à exploração vocacional (p.32).
Outro item importante é a falta de clareza em
relação a si e aos projetos pessoais que se tornam um fator quase que constante
na vida de muitos jovens universitários, isso reflete o baixo desenvolvimento
de seu autoconceito, dificultando o seu rendimento e sua adaptação no ensino
superior. O autoconceito significa a avaliação pessoal que o indivíduo faz de
suas aptidões, interesses, valores e escolhas, bem como da forma com que estes
aspectos se organizam em seus temas de vida. Também se refere ao quanto as crenças
relativas a si mesmo (ou seja, aos atributos pessoais percebidos) são
claramente definidos, consistentes e estáveis no tempo. Já o autoconceito
vocacional, um dos componentes do sistema de autoconceito, se define pela
constelação de atributos do eu que o indivíduo considera vocacionalmente
relevantes sejam ou não estes referidos como preferências vocacionais (Bardagi
e Boff, 2010; Bardagi e Hutz, 2008; Lassance, Bardagi e Teixeira, 2009).
Comumente, se percebe momentos de indecisão em
relação à escolha profissional na idade adulta, pois o desenvolvimento
profissional ocorre ao longo do ciclo vital, mas estar comprometido com a
escolha em termos vocacionais promove uma avaliação mais otimista em relação às
possibilidades, relativiza as dificuldades eventuais para obtenção de
resultados e promove crenças de autoeficácia (Bardagi e Boff, 2010; Duarte,
Lassance, Savickas, Nota, Rossier, Dauwalder, Guichard, Soresi, Esbroeck e
Vianen, 2010).
A inserção em atividades acadêmicas costuma estar
associada à qualidade da identidade profissional percebida e ao comprometimento
do aluno com a formação. Essa participação em atividades acadêmicas associa-se
à satisfação com a escolha profissional. Não participar de atividades
acadêmicas pode contribuir para a falta de informações realistas a respeito da
profissão, não identificação com o curso, baixo índice de volição em relação
aos objetivos relacionados ao curso. Essa falta de visão realista a respeito da
carreira e do curso que lhe proporcionará a qualificação para a sua profissão,
está diretamente relacionada com o fenômeno da evasão em universitários das
mais diversas áreas (Bardagi e Hutz, 2012; Teixeira, Dias, Wottrich e Oliveira,
2008).
2.1 O jovem universitário hoje
Obter um diploma de curso superior é a ambição de muitos
jovens brasileiros, atualmente com o fomento de novas políticas públicas para o
ingresso no ensino superior, o número de instituições de ensino superior
amplia-se a cada dia. A partir dessa realidade, se oportuniza o ingresso de
muitos jovens ao ambiente acadêmico, permitindo que vivam diferentes
experiências.
Um grupo de mudanças desenvolvimentais que ocorrem
no final da adolescência e início da vida adulta, acompanharão o jovem junto
com seu ingresso no ensino superior, além de outros desafios que surgirão pela
primeira vez, como sair de casa, a separação da família e dos amigos, o
confronto com um meio, que para muitos é totalmente desconhecido, o tornar-se
autônomo, decidir quem se é e o que se quer fazer da vida (Soares, Almeida,
Diniz & Guisande, 2006; Diniz e Almeida, 2006).
Muitas vezes faltam informações aos jovens e a quem
lida com eles para melhor enfrentar os desafios e/ou amenizar o impacto das
dificuldades na transição da escola para a universidade. Os anos que esses
estudantes passam na universidade são importantes tanto para o desenvolvimento
pessoal quanto para a formação profissional, refletindo no desenvolvimento da
própria sociedade onde irão atuar quando graduados (Melo e Borges, 2007;
Sarriera, Paradiso, Shütz e Howes, 2012).
Hoje, o ingresso na universidade é uma tarefa de
desenvolvimento típica da transição para a vida adulta, onde também é
necessário que a instituição amplie o seu conhecimento a respeito do modo como
os jovens vem vivendo esse momento, as dificuldades enfrentadas e as
repercussões dessas experiências em seu desenvolvimento psicológico. Além
disso, os anos de universidade são tidos, no contexto da ontogenia humana, como
marcante para o desenvolvimento de capacidades e competências para lidar com a
complexidade do mundo e da identidade (Diniz e Almeida, 2006; Teixeira et al.,
2008).
Melo e Borges (2007), caracterizam esse jovem que
enfrenta dificuldades no ingresso ao ambiente do ensino superior, como um
indivíduo que, tendo superado a fase da adolescência adquiriu condições
necessárias, porém insuficientes, para os desempenhos das funções de um adulto.
Não havendo outros meios socialmente aceitos para o alcance do status de
adulto, o jovem busca a sua identidade profissional, a sua autonomia nas
decisões pessoais e profissionais, a sua independência financeira e a sua
participação ativa na sociedade por meio do trabalho. A vida laboral é buscada
através da inserção e posterior formação em curso superior.
Bardagi (2007) afirma:
Ao longo da adolescência e início da adultez jovem, os indivíduos
encontram-se no estágio de Exploração, em que as experiências vocacionais são
organizadas em torno da experimentação, teste de hipóteses e desempenho de
papéis, delineando um processo de tradução do autoconceito em termos vocacionais.
É um período de transição, em que a autoanálise das próprias características e
habilidades é constante e o autoconceito não é tão estável. As tarefas de
desenvolvimento consistem em realizar uma ampla exploração das ocupações,
traduzindo o autoconceito em escolhas ocupacionais/educacionais, trocando
progressivamente uma escolha mais específica e a convertendo desta preferência
numa realidade concreta, através da educação especializada e do ingresso no
mundo ocupacional (p. 28-29).
Outro aspecto importante é que durante a sua
inserção em um curso superior, o estudante inicia o processo de construção de
suas estruturas para carreira, possibilitando o alicerce para a construção de
um contínuo aprendizado. É nesse movimento de buscas, descobertas e transformações
que o jovem vai definindo a sua identidade profissional. A identidade é fixada
no final da adolescência e é constituída em relação às identificações
singulares com outros indivíduos no passado. Abrange todas as identificações
significativas, alterando-as de modo a construir, nesse processo, uma coesão no
indivíduo (Erikson, 1987; Mazer e Melo-Silva, 2010).
De acordo com Galindo (2004) o indivíduo se define
a partir de como se reconhece no desempenho de papéis sociais e de como é
reconhecido pelos outros no meio social. A identidade deve ser vista sempre
como metamorfose e como movimento permanente de transformação, consolidando um
conceito de identidade sempre em construção, considerando-se os múltiplos
fatores que intervém nesse processo, que deve ser levado em conta na história
de vida do indivíduo.
Além da construção de uma identidade profissional,
um dos momentos mais expressivos de mudança na relação do indivíduo com o mundo
universitário está na transição da juventude para a vida adulta, quando, entre
outras modificações, ritos de passagem, o ingresso na universidade desponta
como um importante marco simbólico. Ocorre aí um conflito entre o individual e
o coletivo, que não é somente do domínio da experiência da cada um, mas é
igualmente realidade fundamental da vida social (Oliveira, Piccinini e
Silveira, 2010).
2.2 Relacionamentos interpessoais
Ao ingressarem no ensino superior, a maioria dos
estudantes apresenta uma expectativa positiva em relação a sua futura
experiência acadêmica, mas também podem estar presentes receios e ansiedades.
Isso impõe desafios de ordem pessoal, interpessoal e acadêmica, entre outros. A
discrepância entre esses sentimentos e pensamentos e os recursos que a
universidade pode ofertar gera no estudante uma fonte de dificuldades refletida
nos níveis de adaptação, de satisfação e de sucesso acadêmico (Cunha e
Carrilho, 2005).
Entrar na universidade implica uma série de
transformações nas redes de amizade e de apoio, o mundo universitário é bem
menos estruturado que o ambiente escolar. Ocorre a necessidade de estabelecer
novos vínculos de amizade. Enquanto esses novos vínculos não se estabelecem, o
jovem conta apenas com seus recursos psicológicos e busca o apoio das redes
formadas antes do ingresso à universidade (Teixeira et al., 2008; Diniz e
Almeida, 2006).
A qualidade da relação que o universitário possui
com sua família, durante e mesmo antes do ingresso no ensino superior, é um
fator que contribui na adaptação na vida universitária, o diálogo familiar
sobre a carreira e o apoio parental específico em questões relativas ao período
de transição parecem contribuir para a adaptação ao contexto do ensino
superior. O impacto do apoio da família no desenvolvimento da carreira dos
filhos facilita o desenvolvimento e estabelecimento de metas, assim como as
transições escola-universidade e o ajustamento emocional (Teixeira et al.,
2008; Bardagi e Hutz, 2008).
Segundo Cunha e Carrilho (2005):
Precisamos olhar o estudante de forma diferenciada e acolhedora,
principalmente no momento do seu ingresso no curso superior, por ser um período
crítico para o seu desenvolvimento e ajustamento acadêmico. Nessa fase, o
estudante enfrenta desafios provenientes das tarefas psicológicas normativas
inerentes à transição da adolescência para a vida adulta que, quando
confrontadas com as exigências da vida universitária constituem-se em um desfio
a ser vencido (p. 216).
Ajustar-se ao ambiente acadêmico implica em se
integrar socialmente com as pessoas desse novo contexto, participando de
atividades sociais e desenvolvendo relações interpessoais satisfatórias. A
dimensão de relacionamento interpessoal é fundamental para a satisfação
acadêmica dos alunos, e isso inclui tanto colegas quanto professores e
funcionários da instituição. Praticamente todos os instrumentos que buscam
avaliar satisfação, adaptação, vivências acadêmicas, avaliam a existência de
conflito e a qualidade das relações estabelecidas na universidade (Teixeira et
al., 2008; Diniz e Almeida, 2006; Bardagi e Hutz, 2012).
Assumida como um contexto físico e social
desafiante, a universidade se apresenta como um ambiente privilegiado para
investigar a forma como os estudantes enfrentam as novas exigências que lhe são
colocadas e as mudanças que neles se processam em consequência das suas
experiências acadêmicas. Com o aumento na expectativa que a instituição de
ensino superior gera de responsabilidade individual por parte do estudante em
sua formação e adesão ao curso, percebe-se que certas características do
ambiente universitário, tais como oportunidade e interação com os professores e
de envolvimento em atividades extraclasse, favorecem a integração do aluno ao
contexto universitário (Diniz e Almeida, 2006; Teixeira et al., 2008).
2.3 Adaptação ao ensino superior
Ao longo dos últimos anos, o ensino superior vem
passando por transformações marcantes. Essas transformações apresentam a
necessidade de uma nova organização das universidades, englobando e
ressignificando maneiras da sociedade produzir, criando e difundindo seus
valores para promover melhorias da condição humana em suas múltiplas dimensões.
O ingressante no ambiente universitário evidencia que necessita de uma atenção
especial para que os desafios encontrados nessa transição estimulem o seu
repertório de estratégias de adaptação e não gerem consequências negativas no
nível do aproveitamento acadêmico destes alunos (Cardoso, 2004; Cunha e Carrilho,
2005).
A universidade é um ambiente distinto do escolar,
nela o monitoramento e o interesse da instituição pelo estudante é notadamente
diminuído, o jovem deverá apresentar um envolvimento maior pela sua formação,
dependendo muito mais dele do que da instituição. Antes a responsabilidade pelo
aprendizado basicamente ficava focado na escola e agora é deslocada para o
jovem. Espera-se desse aluno autonomia na aprendizagem, assim como na
administração do seu tempo e as formas como irá definir as suas metas e
estratégias de estudo (Teixeira et al., 2008; Soares et al., 2006).
As experiências durante o processo de adaptação nos
primeiros anos na universidade são muito importantes para a permanência no
ensino superior e seu sucesso. O modo como os alunos se integram ao contexto do
ensino superior oferece para eles condições de aproveitar melhor as
possibilidades oferecidas, tanto na sua qualificação profissional quanto para o
seu desenvolvimento pessoal (Teixeira et al., 2008).
Esse processo de adaptação e integração também
envolve diversos aspectos, como o desenvolvimento de competências acadêmicas e
cognitivas. Além desses, outros pontos a considerar são: estabelecimento de
relações interpessoais positivas e gratificantes, desenvolvimento da identidade
e autonomia, assim como equilíbrio emocional, filosofia de vida, projeto
vocacional e estilo de vida que proporcionem o bem estar físico e pessoal dos
universitários (Sarriera et al., 2012).
Num mundo extremamente competitivo, é necessário
que as instituições de ensino superior se preocupem com o estudante
universitário, promovendo condições para o seu desenvolvimento pleno, dessa
forma possibilitarão o desenvolvimento de suas potencialidades ao máximo para
que possa atingir o seu nível de excelência pessoal e estar preparado para um
papel atuante na sociedade. Os jovens ingressantes na universidade encontram
uma série de desafios além dos pessoais, interpessoais, familiares e
principalmente institucionais, devendo estes fatores serem melhores analisados
pelas autoridades e serviços acadêmicos com maiores responsabilidades para
receber e apoiar esses estudantes (Cunha e Carrilho, 2005; Almeida, Soares e
Ferreira, 2002).
2.4 A evasão no Brasil
No Brasil o crescimento acelerado do número de
cursos e alunos no ensino superior é um fenômeno vivenciado a cada dia nas
Instituições de Ensino Superior. Entre 1990 e 2004, segundo o Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP) o número de IES saltou de 918 para
2.013, e de 2004 até 2011 esse número cresceu ainda mais passando de 2.013 para
2.365, um impressionante aumento em um período de pouco mais de 20 anos (INEP,
2011).
Apesar do último Censo da Educação Superior apontar
números cada vez maiores de ingressantes, e atualmente possuirmos um total de
mais de 8,9 milhões de estudantes universitários, o número de alunos
matriculados é de aproximadamente 6,7 milhões e o de evadidos chega a mais de 2
milhões, cerca de 23,3% do total de estudantes. O desligamento costuma ser
maior costuma ser maior nos anos iniciais do curso, e em um único ano, a saída
tende a ser maior nos três primeiros meses. A Comissão Especial de Estudos
sobre a Evasão, definiu evasão como a saída definitiva do aluno de seu curso de
origem, sem concluí-lo (INEP, 2011; Bardagi e Hutz, 2009).
Frente às transformações nas relações de trabalho,
ao surgimento de novas formas de se encarar a carreira e ao entendimento de que
a responsabilidade pela inserção profissional cabe exclusivamente a cada
indivíduo, uma questão que se coloca é como os jovens, especialmente aqueles
que optam por investir no ensino superior, percebem essa realidade e como irão
reagir a ela. Outro fator importante dos dados apontados pelo Censo da Educação
Superior, é que a maioria do estudantes matriculados são jovens entre os 17 e
24 anos, totalizando mais de 3,4 milhões, ou seja, cerca de 51,73% do total de
matriculados (Chauí, 2003; Oliveira, 2011; INEP, 2011).
As causas da evasão costumam apresentar diversos
fatores como: descontentamento com horários das disciplinas, falta de cursos
noturnos, impossibilidade de estudar e trabalhar ao mesmo tempo, relações
interpessoais (mal relacionamento professor-aluno), pouca integração social à
universidade, expectativas não correspondidas e falta de informação sobre o
curso e profissão, problemas financeiros, entre outros. Sobre o fenômeno da
evasão, é importante ressaltar que a evasão é um aspecto substancialmente
negligenciado pelas universidades e que tem sido quase totalmente debitado aos
estudantes universitários, mas deveria ser encarado com um problema da
universidade como um todo (Bardagi e Hutz, 2009; Lassance et al., 2009; Tinto,
2003).
Segundo Bardagi e Hutz (2009):
A maioria dos evadidos pretende retomar os estudos universitários e a
decisão de saída parece uma resposta à falta, na universidade, de um ambiente
receptivo aos problemas que surgem ao longo da formação. Embora a evasão possa
ser vista como positiva em muitos casos, quando é resultado de um
amadurecimento pessoal e vocacional e culmina com a troca de curso e a opção
por uma carreira que se aproxima mais do ideal do aluno, grande parte dos
estudos aponta que o abandono de curso não está associado a novas escolhas e
que as novas escolhas costumam também ser bastante frágeis e pouco consistentes
(p.96).
A decisão de evadir é normalmente influenciada por
características individuais do aluno, por suas expectativas em relação à
carreira ou curso, pelas particularidades dos cursos de graduação e
principalmente pela influência de fatores externos à vida acadêmica, como
contexto social e familiar. Porém, o peso do fenômeno da evasão não é somente
uma questão do aluno, mas também da instituição como um todo. Muito se tem
refletido a respeito das perspectivas atuais da educação superior,
principalmente no que abrange a satisfação desse universitário, não somente
sobre a experiência de formação, como também aspectos específicos atrelados à
qualidade do ensino, currículo, relacionamento com colegas e professores,
administração, instalações e recursos entre outros (Andriola, Andriola e Moura,
2006; Sisto, Muniz, Bartholomeu, Pasetto, Oliveira e Lopes, 2008; Souza, Amorim
e Silva, 2011).
Por ser um fenômeno com responsabilidades
institucionais, ele se agrava justamente pela falta de políticas que apoiem a
permanência do aluno nos cursos. Porém a universidade não deve criar programas
de orientação ou serviços de atendimento e apoio ao aluno, mas alterar
substancialmente sua estrutura e suas práticas de ensino para melhor se adequar
ao corpo discente que recebe (Cunha, 2006; Oliveira, 2011; Sparta, Bardagi e
Teixeira, 2006).
Segundo Forgiarini e Silva (2007), é importante que
a instituição de ensino, através do corpo diretivo e docente, conheça as
características dos estudantes, pois, dessa forma, poderão pensar em
estratégias de enfrentamento para que seja possível isolar e até mesmo eliminar
variáveis negativas relacionadas à formação e expectativas destes frente às
projeções de carreira. Também se faz necessário perceber as informações
provenientes da caracterização do aluno que frequenta o curso, assim como suas
motivações e dificuldades, fornecendo subsídios para o desenvolvimento pleno de
um planejamento de melhorias para firmar positivamente a experiência acadêmica
desse aluno.
Jenschke (2003), afirma que as exigências de
qualificação profissional e de aprendizagem contínua somadas à expansão e à
democratização do acesso ao ensino superior no Brasil tem estimulado o ingresso
de um número cada vez maior de estudantes nas universidades. Ao mesmo tempo em
que se observa a ampliação do sistema de educação superior, verifica-se a
necessidade de apoio e orientação aos universitários no decorrer de seus anos
de formação a fim de facilitar sua aprendizagem, sucesso escolar e
desenvolvimento psicossocial.
Pesquisadores brasileiros que investigam a
população universitária referem um corpo consolidado de pesquisas científicas
internacionais que refletem a preocupação com o desenvolvimento global dos
estudantes ao longo dos cursos e o impacto da universidade sobre esse processo.
Porém, somente a partir dos anos 2000 é que se iniciaram no Brasil as pesquisas
sobre evasão com ênfase nos aspectos específicos das vivências universitárias
(Sarriera et al., 2012; Guerreiro-Casanova e Polydoro, 2010).
No Brasil os instrumentos mais utilizados para esse
tipo de pesquisa são: a Escala de Integração ao Ensino Superior (EIES) e a
Escala de Avaliação da Vida Acadêmica (EAVA). Porém, o Questionário de Vivências
Acadêmicas (QVA) e o Questionário de Vivências Acadêmicas – versão reduzida
(QVA-r), desenvolvidos em Portugal, são os instrumentos mais utilizados em
pesquisas brasileiras para avaliar o ajustamento acadêmico dos estudantes ao
contexto da universidade. O QVA e o QVA-r foram desenvolvidos para avaliar a
adaptação do estudante à universidade em suas dimensões pessoais,
interpessoais, acadêmicas e institucionais (Polydoro, Primi, Serpa, Zaroni e
Pombal, 2001; Vendramini, Santos, Polydoro, Sbardelini, Serpa e Natário, 2004;
Almeida et al., 2002; Almeida, 2007).
Utilizando esse conjunto de informações, coletadas
através destes instrumentos, compreende-se a integração ao ensino superior,
também denominada de adaptação ou ajustamento acadêmico, sob uma perspectiva
multidimensional, que engloba as vivências do estudante ao longo de sua
formação e a interação contínua e dinâmica entre suas características e o
ambiente da universidade. Essa perspectiva permite conhecer em maior
profundidade o desenvolvimento psicossocial dos alunos durante o período em que
permanecem na universidade, bem como identificar os elementos das vivências
acadêmicas que favorecem a sua adaptação a esse contexto desde o ingresso até a
conclusão do curso (SARRIERA et al., 2012; ALMEIDA et al., 2002; SOARES et al.,
2006; DINIZ e ALMEIDA, 2006; ALMEIDA, VASCONCELOS e MENDES, 2008).
Essas investigações revelam
que as características que os estudantes trazem para a universidade (sócio
demográficas, acadêmicas, desenvolvimentais), bem como aquelas relativas à
qualidade das instituições universitárias (infraestruturas, recursos, serviços), e a interação que se estabelece entre ambas são
fatores importantes que devem ser considerados nesse processo. Percebe-se que a
integração social e a integração acadêmica dependem da compatibilidade dos
valores e dos objetivos que estão envolvidos na díade aluno-instituição (TINTO,
2003; SOARES et al., 2006).
A persistência do estudante ocorre quando ambas
convergem no sentido positivo, ocorrendo o abandono quando essa convergência
não se verifica. Assim, a forma como o aluno percebe e vivencia as experiências
acadêmicas e o grau em que tais vivências e interações vão ao encontro dos seus
interesses e necessidades são fatores importantes para persistir ou abandonar o
ensino superior. A permanência na instituição requer uma adequada integração,
sendo esta decorrente de uma interação aluno-instituição satisfatória, onde se
inclui determinados níveis de realização acadêmica e certos níveis de
satisfação pessoal e interpessoal (ALMEIDA et al., 2008; SOARES et al., 2006).
Ao analisar esse tema, não se deve ignorar a
diversidade de situações e formatos do abandono acadêmico. Foi visto que o
abandono ocorre de diferentes formas e por várias razões. De maneira geral, o abandono
pode ser institucional, em que o aluno sai temporariamente ou sai de forma
definitiva da instituição, transferindo-se para outra ou abandona com caráter
definitivo o ensino superior. Mas, para uma melhor compreensão desse fenômeno
deve-se perceber que, dentro desses padrões, a variabilidade individual é
grande, dependendo da interação complexa de atributos individuais e
institucionais que o modelam (TINTO, 2003; ALMEIDA et al., 2008).
Assim, torna-se importante conhecer os alunos que
estão evadindo das instituições de ensino superior. Nesse sentido, o psicólogo
deve se questionar sobre quais os alunos que estão tomando essa decisão, que
fatores a determinam e que possíveis ações poderão, em termos pessoais e
institucionais, alterar essa decisão ou favorecer o reingresso (ALMEIDA et al.,
2008).
Com essas questões em aberto, se aponta para a
importância de uma melhor compreensão das necessidades desse aluno e assim,
poder criar estratégias que o ajudem a enfrentar esse período que tende a ser
conflitivo, porém de grande importância em sua vida.
3. Considerações Finais
Através dessa pesquisa bibliográfica, constatou-se
que as investigações frente ao fenômeno da evasão universitária no Brasil
mostram-se bastante recentes. Além disso, poucas pesquisas foram publicadas no
Brasil, juntamente com o pequeno número de autores que trabalhou sobre esse
tema. Nesse contexto, os instrumentos desenvolvidos para avaliar as
características dos alunos que poderão evadir de seus cursos são, da mesma
forma, bastante reduzidos. Ocorre também que a maioria das pesquisas sobre a
evasão utiliza-se de um instrumento de origem portuguesa, o Questionário de
Vivências Acadêmicas (QVA), o qual levanta dados sobre o ajustamento do aluno
no ambiente acadêmico.
Percebe-se que a literatura produzida através
desses estudos acaba criando dados bastante semelhantes, diversificando apenas
a instituição em que o estudo foi realizado. Os dados resultantes do último
Senso da Educação Superior no Brasil apontam que os índices de evasão não estão
diminuindo, reforçando a necessidade de utilizar os dados resultantes destas
pesquisas e transformá-los em ações que poderão auxiliar as Instituições de
Ensino Superior a planejar estratégias de enfrentamento ao fenômeno evasivo.
Constatou-se que os motivos que levam os
alunos do ensino superior a evadirem são multifatoriais, entre eles podemos
destacar o descontentamento com horários das disciplinas, falta de cursos
noturnos, impossibilidade de estudar e trabalhar ao mesmo tempo, relações
interpessoais, pouca integração social à universidade, expectativas não
correspondidas e falta de informação sobre o curso e profissão, além de
problemas financeiros. Também percebe-se na maioria dos alunos brasileiros a
associação de um baixo nível de informações em relação ao curso, impactando
diretamente no empobrecimento da reflexão quanto ao processo de escolha e com
isso favorecendo que este aluno faça suas escolhas de maneira impulsiva e
pautada em estereótipos.
Dentre esses diversos fatores apontados, destaca-se
a dimensão relacionamento interpessoal, que, além de apontar a forma como esse
aluno convive com seus pares, também leva em conta a relação deste com o grupo
docente. Neste ponto percebe-se que a figura do professor também é vista pelo
aluno como representação da instituição e esta relação gera um impacto
diferenciado da relação que o aluno possui com seus pares. Nesse momento,
percebe-se que a função do psicólogo frente a essas problemáticas apresentadas
é a de promover a saúde mental através de intervenções junto aos serviços de
apoio e orientação proporcionando uma melhor adaptação do aluno frente a esses
grandes e novos desafios afetivos, cognitivos e sociais, enfrentados ao
ingressar no ambiente universitário. Mas não se pode deixar de estar atento ao apoio
que deve ser oferecido ao corpo docente, visto a importância deste frente ao
impacto que sua relação gera no aluno.
É importante que esse tema seja alvo de pesquisas
no campo da Psicologia. Fundamental também que novos estudos possibilitem a
elaboração de ações práticas que possam ser adotadas não somente para frear o
fenômeno evasivo, mas principalmente que proporcionem condições ao jovem de
aumentar seus conhecimentos em relação ao curso escolhido, melhorando assim o
seu autoconhecimento e gerando nele segurança para enfrentar os desafios que o
processo decisório lhe proporcionará.
Fonte: https://psicologado.com/atuacao/psicologia-escolar/contextos-da-evasao-universitaria-no-brasil © Psicologado.com
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