Saúde Mental e Psicopatologias
Relacionadas ao Ambiente de Trabalho
A
psicopatologia é um campo de conhecimento que se refere ao adoecimento psíquico
do ser humano, o que se denomina historicamente doença ou transtorno mental.
Diante das situações de trabalho no sistema prisional, esta pesquisa tem como
objetivo identificar a existência (ou desencadeamento) de possíveis
psicopatologias provenientes da profissão e das condições de trabalho do agente
penitenciário (DALGALARRONDO, 2008).
A
Organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde não apenas como a ausência de
doença, mas como a situação de perfeito bem-estar físico, psíquico e social. Do
ponto de vista da saúde mental, o espaço de trabalho deve abarcar condições
psicológicas e sociológicas benéficas que atuem de forma positiva no
comportamento das pessoas (BERLIN E FLECK, 2005).
Para
alguns teóricos, o trabalho é o fundamento da vida humana e da sociedade e
constitui um espaço importante de relações interpessoais, fonte de realização
pessoal, bem como desenvolvimento de habilidades. É um espaço privilegiado de
socialização e de definição de identidades; portanto, a maneira de adoecer de
um indivíduo provavelmente está diretamente ligada à maneira de viver deste
dentro e fora do ambiente de trabalho (SILVA, 2010).
Dentre
as psicopatologias relacionadas ao trabalho destacam-se como principais os
transtornos de stresse, síndrome de Burnout, síndrome do pânico. No campo
laboral, o stress é um dos principais desencadeadores de sofrimento. O
transtorno de stress pós-traumático e o transtorno de stress agudo vão se
caracterizar pela presença de um estressor externo, como a exposição ou
vivência de episódio traumático. A síndrome de Burnout caracteriza-se pelo
esgotamento físico e emocional, insatisfação pessoal, passando a pessoa a
apresentar comportamento agressivo e irritadiço (PEREIRA, 2010).
A
síndrome do pânico, por sua vez, é um transtorno de ansiedade e diferencia-se
das demais condições mentais pelos ataques inesperados e recorrentes, com
crises acompanhadas de alguns sintomas específicos como medo, desconforto no
peito, despersonalização, sensação de falta de ar, entre outros (MENEZES,
2004).
Na
visão dejouriana, o trabalho contém vários elementos que influenciam a
concepção que o trabalhador tem de sua própria representação, que pode ser a
razão para o sofrimento, e este, por sua vez, é capaz de desestabilizar a
identidade, conduzindo para problemas psíquicos.
É
comum que esses profissionais apresentem alto grau de stress e seus reflexos
negativos físicos e psíquicos entre outros problemas, em função do dano
psicológico e da mudança de convívio. Apesar de estar associado a
sensações de desconforto, o stress pode ter consequências negativas (ansiedade
destrutiva, medo, tristeza e raiva.) ou positivas (equilíbrio, alegria, podendo
haver momentos de ansiedade discreta, criativa) para o indivíduo, por isso é
importante que cada sujeito encontre seu nível suportável de stress (SILVA,
2010).
Sendo
assim, o tema deste trabalho justifica-se pela necessidade de estudos na área,
já que esta profissão realiza um importante serviço público de alto risco,
devido às pressões sofridas dentro e fora do ambiente de trabalho, como por
exemplo, lidar diretamente com os apenados, além da superlotação carcerária,
precárias condições de trabalho e risco de morte durante as rebeliões, dentre
outros agentes estressores.
2. Desenvolvimento
Com
base na teoria Dejouriana (2004), entende-se que o sofrimento patogênico do
indivíduo surge quando a organização do trabalho entra em conflito com os
desejos do sujeito, ou seja, com o funcionamento psíquico deste. A partir daí,
são criadas as estratégias defensivas do homem, em relação ao ambiente, para se
proteger.
Dentre
as estratégias defensivas utilizadas pelo indivíduo, destaca-se a ocultação da
doença. O profissional procura encobrir seus sentimentos e angústias para que
não pareça fragilizado, sobretudo diante da família e amigos. Das atitudes
defensivas, salientam-se duas características existentes no comportamento do
sujeito; a primeira diz respeito ao silêncio do corpo, como por exemplo, sua
sexualidade; e a segunda diz respeito à relação existente entre doença e
trabalho, ou seja, a vergonha de parar de trabalhar, principalmente se for do
sexo masculino, que provavelmente sofrerá maior preconceito da sociedade
(DEJOURS, 2012).
Dejours
(2004) discute um novo conceito de saúde e considera três elementos
fundamentais para a saúde do trabalhador. Sendo a fisiologia, ou seja, o
funcionamento do corpo (análise do funcionamento do organismo, as regras que
asseguram seu equilíbrio e sua sobrevivência), a psicossomática (relações que
existem entre o que se passa na cabeça das pessoas e o funcionamento de seus
corpos) e por fim, a psicopatologia do trabalho (adoecimento psíquico do ser
humano, o que se denomina historicamente doença ou transtorno mental).
Sendo
assim, a angústia frente aos problemas transforma-se em fuga, fazendo com que o
trabalhador se distancie da coletividade social e siga em direção à decadência,
como alcoolismo, violência e, consequentemente, o desprezo das pessoas e a
depressão. Enfim, procuram saídas que podem levar ao risco de morte (DEJOURS,
2012).
Este
profissional constitui-se como principal disciplinador no processo de
ressocialização do detento através do contato direto e rotineiro com o mesmo.
Deste modo, lhes são exigidas não só habilidades indispensáveis para o
cumprimento de sua função, como também bom relacionamento dentro e fora do
ambiente de trabalho, valores morais e éticos, além de uma estrutura psíquica muito
consistente. Portanto, tendo o contato direto com os internos e sendo visto por
estes como responsáveis pela custódia, estes profissionais estão expostos às
situações geradoras de estresse, como por exemplo, intimidações, ameaças e
agressões verbais.
Como
o trabalho da unidade prisional é de 24 horas diárias, ou seja, é continuo, os
funcionários estão sujeitos a horários atípicos de trabalho podendo sofrer as
implicações como a redução das funções cognitivas, por causa da privação
parcial ou total do sono. O trabalho noturno também é causador de transtornos
fisiológicos relacionado com distúrbio do sono, que se somam a problemas de
ordem social e afetiva, como as dificuldades enfrentadas na convivência em
família, bem como nos círculos de amizade que ficam prejudicados em decorrência
das atividades profissionais. Além destes problemas os agentes penitenciários
sofrem o fenômeno da prisionização, pois se sabe que na prisão existem dois
presos, o apenado e o funcionário, que em menor ou maior grau, adotam as
transformações advindas do ambiente prisional, bem como suas
dinâmicas.
Para
Dejours (2004), a necessidade e a insistência do ser humano em viver em um
ambiente adverso é uma das principais consequências do sofrimento no trabalho.
Por isso, identificar a raiz deste sofrimento e compreender a relação do
trabalhador com este é de fundamental importância, pois para o autor, a
primeira vítima do sistema não é o aparelho psíquico, mas sim, o corpo dócil e
disciplinado, entregue às dificuldades inerentes à atividade laborativa. A
partir dessa manipulação dos corpos e suas subjetividades e, por que não dizer,
desses corpos subjetivos (Brito, 2012), o sofrimento é instalado.
Ao
abordar a relação saúde mental-trabalho, devem-se considerar aspectos das condições
de trabalho relacionados à organização e ao sofrimento mental, tais como o
ambiente físico (temperatura, pressão, barulho), ambiente químico (poeira,
fumaça, gases tóxicos), ambiente biológico (vírus, fungos, bactérias) e ainda
as condições de higiene e segurança.
O
Ministério da Saúde reconhece uma série de transtornos mentais, de
personalidade e do comportamento relacionados ao trabalho, como por exemplo,
delírio, transtornos cognitivos, estresse pós-traumático, neurose profissional,
transtorno de vigília-sono, síndrome do esgotamento profissional (Burnout),
síndrome do pânico, episódios depressivos e alcoolismo crônico. Porém, estudos
sobre psicopatologia do trabalho mostram que o sofrimento no trabalho repercute
não só na vida psíquica, ocorrendo assim uma desestruturação na saúde em todos
os seus aspectos, como a doença mental e a doença somática (BRASIL, 2005).
“O
sofrimento começa quando a relação homem-organização está bloqueada, quando o
trabalhador usou o máximo de suas faculdades intelectuais, psicoafetivas, de
aprendizagem e de adaptação” (DEJOURS, 2012). Portanto, o adoecimento dos
profissionais depende da estrutura psíquica e mental do sujeito e da capacidade
deste para suportar as pressões do trabalho. Este sofrimento é agravado pela
insatisfação, medo e sentimento de incapacidade e inutilidade. O adoecimento no
trabalho deve ser avaliado no contexto em que acontece, bem como deve ser
pensado no sujeito que sofre, pois o sofrimento psíquico é anônimo e suportado
individualmente.
Nessa
perspectiva, as principais consequências, segundo Veigas (2007), da carga
mental e psíquica são: fadiga, diminuição da produtividade, falta de ânimo e de
otimismo (depressão) e atitudes negativas que podem levar à dependência de
álcool ou de outra droga. O autor afirma que a privação do sono
devido ao trabalho noturno produz diminuição da capacidade em tarefas com
exigência de rapidez, precisão, memorização. O estresse, distúrbios
gastrointestinais e cardiovasculares, aumento de peso, irritabilidade e insônia
são também consequências do trabalho noturno (VEIGAS, 2007).
Os
agentes penitenciários tornam-se ainda passíveis de outra marca decorrente de
psicopatologias do trabalho tais como: nervosismo, insônia, paranóia, estresse,
depressão, dependências químicas. Sendo assim, os trabalhadores estão de acordo
com a concepção de saúde, pois para a OMS, saúde não é apenas a ausência de
doença, mas uma condição de completo bem-estar em todos os aspectos da vida
humana (SILVEIRA, 2009).
3. Conclusão
Em
vista do que foi apresentado, conclui-se que a atividade laboral é de grande
relevância para a vida do indivíduo, sendo este um importante mediador das
relações interpessoais. Por esse motivo, este ambiente, no qual as pessoas
passam grande parte do seu tempo, deve ser tão saudável quanto o ambiente
familiar.
De
acordo com os dados apresentados, as condições do ambiente de trabalho são o
principal causador do adoecimento psíquico desses profissionais. No entanto,
percebemos certa incongruência entre o que dizem esses dados e o que mostram
outras pesquisas, inclusive apresentadas ao longo deste trabalho. Pôde-se
analisar que o adoecer dos profissionais está diretamente ligado ao medo e à
insegurança, à atenção à profissão por parte do estado, no que diz respeito à
prevenção e tratamento da saúde destes trabalhadores.
Diante
da condição de desamparo da profissão pelo poder público, no que diz respeito à
saúde do trabalhador, torna-se de grande relevância criar estratégias junto aos
órgãos competentes para a promoção de políticas públicas, prevenção da saúde e
apoio aos acometidos de alterações psíquicas e possíveis transtornos de saúde
mental.
Sendo
assim, o tratamento psicológico é de grande relevância e poderá intervir nos
aspectos relacionados ao bem-estar e saúde mental dos trabalhadores do sistema
penitenciário que convivem diretamente com o perigo e que muitas vezes são mal
vistos pela sociedade, bem como, ajudá-los a lidar em seu cotidiano tanto no
ambiente de trabalho como nas relações familiar e social.
Vale
salientar que no cenário do sistema prisional os apenados têm mais direitos e
exigências do que o próprio funcionário, tais como assistência social e
psicológica, professor, entre outras, pois o governo não oferece políticas
públicas para fazer valer o direito do trabalhador, uma vez que este não tem ao
menos o amparo à saúde mental, sendo que para este tratamento deve-se pagar
ainda muito caro e muitas vezes o próprio plano de saúde não inclui o
atendimento psiquiátrico e psicológico.
Dentre
as políticas públicas necessárias para o trabalhador, deve-se pensar também em
cursos de reciclagem profissional, para os trabalhadores expostos a muitas e
distintas realidades como os agentes penitenciários, pois a profissão exige
muito de suas habilidades e do desempenho da função, além de concurso para
reposição dos profissionais demitidos ou afastados por motivos de doença e
outros problemas.
Sobre o Autor:
Daiana Souza Andrade - Pós-Graduanda em Gestão do SUAS –
Sistema Único de Assistência Social. Psicóloga Clínica e Centro de Atenção
Psicossocial – CAPS I.
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