PSICOLOGIA
NÃO SE ESCREVE COM S: UM RESGATE À CIÊNCIA
PSICOLÓGICA
Definições
para Psicologia não faltam e a análise desta tarefa costuma chegar a uma mesma
lógica: Psicologia é a ciência do comportamento, mente e cérebro (GAZZANIGA,
HEATHERTON, 2005). Esta definição enxuta guarda dois termos que fizeram com que
houvesse a clara separação desta área com a Filosofia e que o objeto da
Psicologia fosse escolhido. O primeiro termo, ciência, solicitou às pesquisas
em Psicologia a utilização de métodos e técnicas de comum acordo científico, e
está aí a importância que existe no estudo de disciplinas como métodos
científicos, estatística e matemática para construção do conhecimento
psicológico. O segundo, formado pela tríade comportamento, cérebro e mente,
forma a estrutura sobre a qual essas pesquisas serão aplicadas. Esta definição
será o critério de referência no decorrer do presente texto, que adota uma
postura monista sobre o mérito.
Naturalmente,
o impacto gerado por uma disciplina cuja missão é o estudo do comportamento (humano), além de atravessar diversos
outros campos de conhecimento, serve para costurar relacionamentos até então
bastante distantes. Como exemplo desta relação de atravessamento, a
administração pôde se beneficiar das descobertas que a Psicologia traçou sobre
a motivação humana para assegurar melhor conceitos como qualidade de vida no
trabalho e benefícios por desempenho (ROONEY, HIGGINS, SHAH, 1995); a economia
foi extremamente ajudada pelas descobertas sobre como o pensamento humano
ocorre, quais são os critérios normalmente utilizados para tomada de decisão e
como o julgamento costuma sofrer interferência de vieses cognitivos (LEA,
TARPY, WEBLEY, 1987); o marketing viu nas leis da Gestalt, promulgadas por
Wertheimer Köhler e Koffka principalmente, um repertório quase infinito para
melhorar estratégias de divulgação e propaganda (CLEMENTE, 2002), entre outros.
Avançando
nesta análise, se algumas disciplinas se beneficiaram pelos conhecimentos
produzidos pelos psicólogos, a própria Psicologia foi dando o nutriente para
alinhavar campos cuja estrutura não se coadunava de forma correlata. Dois
exemplos podem ser expressos na área da educação: apesar do pouco contato desta
disciplina com a biologia, os estudos da Psicologia e da psicobiologia geraram
estratégias de ensino às crianças. Hoje, há evidências de que é mais produtivo
ensinar matemática após uma sessão de música, já que o cérebro identifica os
elementos musicais como ritmo, tempo e melodia de forma análoga à
espacialidade, sequência e correspondência (GEIST, GEIST, KUZNIK, 2012). Em
outra direção, a psicometria moderna, ao unir modelos de regressão estatística
na confecção de testes
psicológicos, permitiu construir um formato totalmente inovador de avaliação
acadêmica para o vestibular, que é o Exame Nacional do Ensino Médio, o ENEM (INSTITUTO
NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA, 2011).
Em
torno desta situação, sabe-se que, de forma geral, uma ciência contribui para
aquisição de novos conhecimentos em outras áreas, mas que também é responsiva
às novas informações advindas de campos diferentes. Assim, se anteriormente se
expressou a contribuição dada pelos cientistas psicólogos em outros campos, a
própria Psicologia é tributária de conhecimentos congêneres, como é o caso da
teoria da evolução e da etologia (ATKINSON et al., 2002; GAZZANIGA, HEATHERTON,
2005).
Porém,
se a aplicação de alguns conhecimentos obtidos pela ciência psicológica parece
revelar o sucesso desta disciplina e que também existe uma reciprocidade
informacional, nem tudo é tão exitoso como se espera. O meio interno da
Psicologia funciona aos moldes de uma torre de babel desde a data que marca a
consolidação da Psicologia como Ciência, oficialmente chancelada no ano de 1879
(LAGACHE, 1949). Em outras palavras, não obstante o marco histórico daquilo que
se chama de “ciência psicológica”, mais de 100 anos se passaram e os
debatedores do tema ainda não parecem terem chegado a um acordo nem sobre o
objeto de estudo desta ciência, tampouco sobre o método pertinente para seu
estudo (ILARDI, FELDMAN, 2001). Apesar de grande reconhecimento que o objeto da
Psicologia é o comportamento (CABRAL, NICK, 2006), conforme aqui igualmente
entendido, diversas correntes e escolas de pensamento apresentam definições
variadas para este objeto. Além disso, a definição que se oferece de ciência
também parece plástica, sendo possível encontrar autores que defendem que
determinada linha de pesquisa ou de influência em Psicologia é calcada na
ciência, enquanto outros não concordam em nada com isso (BEREITER, 1994). Um
exemplo desta situação está no caso específico da psicanálise, uma das áreas de
maior influência na Psicologia: uns dirão que a psicanálise é uma ciência e
outros dirão que é pseudociência (CONN, 1980). Ainda gravita nesta situação a
aplicação polivalente acadêmica, onde haverá disciplinas que para alguns
autores devem ser incluídas como Psicologia e outros autores dirão que não
devem constar desta inclusão. Novamente, o caso da psicanálise pode ser
utilizado aqui: se alguns autores defenderão a distinção entre psicanálise e
Psicologia, enquanto outros dirão que na verdade ela é a real Psicologia (FINE,
1986).
Neste
trabalho, visa-se responder a uma pergunta muito clara, que é feita nos
seguintes moldes: se existem tantas considerações díspares tanto sobre o
conceito de ciência psicológica, como a relacionada à definição do
comportamento humano, qual é a que deve ser utilizada? Em outras palavras, em
um mundo praticamente ilimitado de possibilidades argumentativas sobre o mesmo
fenômeno, qual se mostra a com maior arcabouço de evidências científicas?
Certamente, a motivação deste trabalho não é problematizar a área, outrossim,
auxiliar a resolver este impasse.
Aqui,
apresentar-se-á quatro possíveis estratégias para resolver esta situação, mas
se posicionará em uma. As estratégias descritas serão: 1. a acadêmica, 2. a bibliográfica (os livros
e artigos), 3. o mercado e 4. a
Neuropsicologia. Como será observado, a todo tempo, o critério de narrativa
será em associação às práticas baseadas em evidências e pela utilização de
técnicas lógicas descritas no balooney
kit, de Carl Sagan. Deixa-se claro que o método de pesquisa é o
analítico-conceitual, uma proposta de análise qualitativa.
Frisa-se
que a eleição de vernáculos na escrita deste trabalho é proposital e feita
visando à parcimônia explicativa e que a exploração do campo é referenciada
bibliograficamente aos moldes de um ensaio. Os temas colaterais surgidos no
processo de elaboração ideacional serão discorridos em momento posterior.
A academia
As
faculdades de Psicologia estão circunscritas em algumas esferas
jurídico-administrativas. As peças legislativas do Ministério da Educação (MEC)
devem ser respeitadas;
existe a autonomia institucional para decidir sobre ênfase acadêmica, critério
de avaliação de alunos, entre outras e, finalmente, o curso deve ser
reconhecido pelo MEC e se manter dentro dos critérios do Exame Nacional do
Ensino Médio, ENADE, para celebrar sua continuidade.
Frente
às peças legislativas, em 2007, o Ministério da Educação expediu a Resolução no. 2, que norteia
sobre carga horária mínima e procedimentos relativos à integralização educação
dos cursos de graduação, bacharelados, na modalidade presencial (MINISTÉRIO DA
EDUCAÇÃO, 2007). Acredita-se serem importantes dois pontos deste documento, que
são: 1. o parágrafo único do Art. 1º e 2. o anexo, onde o curso de Psicologia
tem sua carga horária mínima decidida.
Enquanto
o parágrafo único decide que apenas 20% da carga horária pode ser preenchida
por estágio e atividades complementares nos cursos presenciais, o anexo dispõe
que um aluno de Psicologia deve ter 4.000 horas de aulas. Esta determinação é a
mesma para o curso de odontologia e ambos só estão abaixo da faculdade de
medicina, que pede 7.200 horas mínimas para sua conclusão.
No
quadro legislativo do Ministério da Educação, também há a resolução no. 5 de 2011, que
institui as diretrizes curriculares nacionais para os cursos de graduação em
Psicologia, estabelecendo normas para o projeto pedagógico complementar para a
formação de Professores de Psicologia (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2011), assinada
pelo psicólogo Dr. Paulo Speller, psicólogo formado pela Universidad
Veracruzana, no México.
Esta
peça legislativa expõe os princípios e os fundamentos para o curso e, entre
elas, cita-se que, nas palavras do autor, “a formação de um psicólogo deva ser
comprometida com a construção e desenvolvimento do conhecimento científico em
Psicologia” (Art. 3º) e com a formação de um profissional que tenha competência
“de avaliar, sistematizar e decidir as condutas mais adequadas, baseadas em
evidências científicas” (Art. 4º), apoiada na habilidade “de utilizar os
recursos da matemática, da estatística e da informática para a análise e
apresentação de dados e para a preparação das atividades profissionais” (Art.
9º). Evidentemente, há outras diretrizes descritas na Resolução e a avaliação
da mesma deve ser fundamental a todo leitor deste trabalho para que não haja o
viés publicitário (REIDER, 2013).
Ainda
na esfera legislativa, os cursos de Psicologia são frequentemente avaliados
pelo ENADE, que é regido pela Portaria Normativa nº 40 de 2007 e tem as normas
para o que é esperado ao
alunado na Portaria Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP) nº 243. Esta última peça legal diz que o estudante será
avaliado para que se possa medir se ele consegue “I - avaliar, sistematizar e
decidir as condutas profissionais, com base em evidências científicas”, bem
como se consegue “V - utilizar os recursos da matemática, da estatística e da
informática para a análise e apresentação de dados e para a preparação das
atividades profissionais”.
Finalmente,
uma vez que é impossível descrever e analisar os projetos pedagógicos, optou-se
por buscar, dentre sete universidades que dispõem do curso de Psicologia e que
foram submetidas ao ENADE em 2012, matérias cuja natureza se endereçam ou
aproximam ao pedido legislativo. As faculdades consultadas foram: Centro
universitário Celso Lisboa, Centro Universitário Hermínio da Silveira (IBMR),
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Universidade do Estado do
Rio de Janeiro, Universidade Estácio de Sá, Universidade Federal do Rio de
Janeiro e Universidade Veiga de Almeida. Ressalva-se que a Universidade Gama
Filho foi descredenciada em 2014 pelo SERES nº. 2 e por isso não foi incluída
na lista. Além disso, não foi possível localizar a grade curricular da UVA.
Acredita-se que essa inconsistência foi ocasionada por problemas externos às
faculdades.
Especificamente
na UERJ, não há matéria intitulada “Estatística”. Porém, há a disciplina de
nome “Pesquisa quantitativa em Psicologia”, cuja emenda é exatamente esta:
“Demonstrar a importância da pesquisa quantitativa nas diferentes etapas para a
pesquisa em Psicologia” e não há indicativo de livro texto ou algo similar
(UERJ, 2016). Já na UFRJ, disciplinas de natureza quantitativa contemplam mais
períodos e são apresentadas como técnicas de Medidas em Psicologia. Psicometria
é obrigatória apenas na Celso Lisboa.
As
disciplinas biológicas estão descritas separadamente na UFRJ, enquanto as
outras Instituições de Ensino Superior (IES), as listam como tópicos de
Neurociência. Novamente, na UERJ foi possível constatar duas disciplinas de
ênfase biológica, Neuroanatomia e Fisiologia, lecionadas no terceiro e no
quarto período respectivamente.
Disciplinas
cuja estrutura se aproxima ao pensamento científico são nominalmente difíceis
de encontrar, mas há correlatos em todas. Psicofarmacologia faz parte da grade
obrigatória no Centro universitário Celso Lisboa e no IBMR.
Em
outro sentido, algumas disciplinas oferecidas obrigatoriamente parecem se
distanciar do que é solicitado legislativamente, como o caso de “Sociedade
contemporânea e subjetividade” (UERJ), “Metapsicologia Freudiana” (PUC-Rio),
“Desafios Contemporâneos” (IBMR), “General
English” (Centro Universitário Celso Lisboa) e “Políticas públicas” (UERJ).
Ainda, as instituições solicitam que parte da carga horária seja formada em
disciplinas não-obrigatórias e, entre elas, é possível identificar “Saúde Vocal
do Professor”, “Utopia e modernidade” e “Escola pública imaginária”, todas da
UERJ.
Resgatando
a motivação deste trabalho, as IES contribuem para a formação plural do
alunado. Em palavras diferentes, elas contribuem para a torre de babel descrita
anteriormente. Vê-se que o comportamento é estudado por linguagens muito
distanciadas, como é o caso da metafísica freudiana e da Psicologia cognitiva e
comportamental. Certamente, ambas as disciplinas apresentam suas justificativas
históricas, mas as evidências a favor da cientificidade da psicanálise são
menores do que as da Psicologia comportamental (POULSEN et al., 2014), o que suscita outra questão
que, propositadamente não será contemplada aqui, que é: estaria o psicólogo
preparado para tratar casos em saúde mental a partir de uma formação tão
híbrida como esta?
Desta
forma, acredita-se que é improvável que se consiga capacitar alunos à ciência
psicológica com uma carga horária ínfima de disciplinas que são necessárias à
elaboração de evidências, como epistemologia, técnicas de pesquisa, estatística
e psicometria. Se, por outro lado, o cabo de força tender mais à esfera
profissional do que ao desenvolvimento de novos cientistas, pode-se argumentar
que todas as instituições pesquisadas arquitetaram matérias voltadas ao estágio
profissional, o que novamente geraria a indagação feita anteriormente.
Finalmente,
tudo aponta para que a academia sirva muito bem para a pluralidade, mas não
consegue se posicionar robustamente diante da lógica que a ciência psicológica
estuda o comportamento humano, uma vez que a ciência é definida de uma forma às
8:00 da manhã e de outra totalmente diferente às 3:00 da tarde. Pesa, ainda,
sobre esta situação a deselegância acadêmica que gravita entre os docentes que
evitam a crítica aos colegas sempre que possível. Desta forma, quem está certo
se ninguém está errado?
A bibliografia
Magistralmente,
ninguém irá se opor ao conteúdo de livros e artigos em periódicos científicos.
Cada qual com sua particularidade, ambas as fontes apresentam características
que a tornam válidas em relação à consulta acadêmica. Em Psicologia, os
livro-texto são frequentemente introduzidos aos acadêmicos no primeiro ano de
curso e são eleitos pelos docentes visando à
exposição da maior parte do conteúdo que o aluno irá ver durante a graduação.
Como
exemplo de livros de autores internacionais, há os de Michael Gazzaniga, Rita
Atkinson, David Myers e Linda Davidoff. Também há os livros introdutórios à
Psicologia escritos por autores brasileiros, como os de Ana Bock, Odair Furtado
e Maria de Lourdes Trassi Texeira e o livro de Luiz Cláudio Figueiredo e Pedro
Luiz Ribeiro Santi.
Independente
do estilo de escrita e repertório de conteúdo que cada obra apresenta, seria um
engano acreditar que a questão traçada neste artigo estaria encerrada e que além
da definição precisa, o objeto e os métodos seriam igualmente representados. Na
verdade, o que ocorre nos livros é justamente a fotografia mais clara desta
torre de babel (e provavelmente, uma das variáveis causais dela). Mesmo que,
conforme dito logo ao início, haja consenso de que a Psicologia se dirige ao
estudo do comportamento, essa posição se distancia entre os autores.
Por
exemplo, se a Psicologia é definida como “o estudo científico do comportamento
e dos processos mentais” (ATKINSON et al., 2002, p. 25) ou como o “estudo da
mente, do cérebro e do comportamento” (GAZZANIGA, HEATHERTON, 2005, p. 40).
Figueiredo (1998) prefere “por enquanto, não estabelecer nenhuma conclusão” (p.
17) e Bock, Furtado e Teixeira (2001) não definem o termo, mas citam que a
“mente é como o pára-quedas: melhor aberto” (p. 26).
À luz
dos antigos jogos de tabuleiro, o autor deste trabalho defende que esta
contestação nos faz voltar algumas casas e concluir que Psicologia é tudo
aquilo que não é Psicologia ou imaginar a colisão (ou o monólogo a dois), que
seria o diálogo entre um psicólogo brasileiro e outro americano.
Não
sem razão, poderia se argumentar que os livros não acompanham a evolução do
campo de pesquisa por razões óbvias. Desta forma, uma saída em busca da resolução
desta panacéia seria a constante atualização acadêmica via leitura de artigos
de periódicos científicos. Essa é uma saída com raras chances de sobrevida, uma
vez que aguardar que uma pessoa dispenda todo seu tempo em atualização
acadêmica assemelha-se ao chamado “evento impossível” em matemática. Pesa sobre
esta condição a reflexão: se 38% dos estudantes de nível superior não são
plenamente alfabetizados (INAF, 2011), quantos terão alguma habilidade, ou até
mesmo uma simples desenvoltura, em ler artigos em língua outra que o Português?
Um otimismo frente ao número só é possível quando comparativo com outros, principalmente ao
que evidencia que apenas 8% das pessoas em idade de trabalhar podem ser
consideradas plenamente capazes de entender e se expressar por meio de letras e
números (INAF, 2015).
Ainda
neste sentido, infere-se que se as referências de livro-texto apresentam também
essa querela, com alguma probabilidade, a atualização acadêmica via artigos
poderia justamente servir para prejudicar ainda mais o que se espera de um
cientista calcado em evidências. Certamente, existem ressalvas claras e
sensatas, mas não se vê como metrificar quais são os periódicos (brasileiros)
isentos desta miscelânea sem fugir do escopo deste artigo e também ponderar
sobre os critérios de classificação já realizados atualmente pela CAPES. Não
longe do assunto, ainda há a questão dos chamados “periódicos predatórios”, que
não pautam na qualidade do texto a sua avaliação, mas no valor pago pelos
autores (BERGER, CIRASELLA, 2015).
Novamente,
as definições de “comportamento” e “ciência” não foram resolvidas pela saída
bibliográfica. Na verdade, salvo ressalvas, esta saída se mostra como ainda
mais perigosa para a Psicologia e para o psicólogo, já que nem sempre existem revisões
às cegas e o conteúdo destes jornais são apelos autoritários (porém, pagos) à
crença em suas afirmativas, como expõe Berger e Cirasella (2015).
O mercado
Defende-se
aqui que falar de mercado pode ser mentalmente visualizado como convidar alguém
a visitar dois locais diferentes: uma feira popular e uma biblioteca. Se a
feira popular mostra o que se entende por mercado em ação, a biblioteca elenca
os teóricos que se colocam para explicar esta dinâmica. Alerta-se que quaisquer
possibilidades de falar sobre os preceitos da economia neste trabalho serão
encerradas precocemente pela seleção conveniente de alguns autores que serão
privilegiados em face da motivação deste trabalho.
Em
outras palavras, o recorte econômico que é feito neste artigo serve para se
correlacionar à narrativa, mas não para servir como local privilegiado de
estudo. Afinal, o presente artigo visa à pergunta: se existem tantas
considerações díspares tanto sobre o conceito de ciência psicológica, como a
relacionadas à definição do comportamento humano, qual é a que deva ser
utilizada?
Posto
isto, sabe-se que tanto na feira popular, como na biblioteca, seja para comprar
uma fruta, seja para adquirir um livro, sem dinheiro isso não é possível. Nada
é de graça e isto foi fielmente representado
por Milton Friedman em sua célebre frase “não existe almoço grátis” (FRIEDMAN,
1975). Poderia se complementar esta lógica arguindo que até o desperdício de
comida é pago e que, na maioria dos mercados, os consumidores conhecem o preço
dos produtos e serviços e tentam alcançar a maior qualidade pelo menor custo,
despertando assim uma disputa entre os agentes econômicos e fazendo a
maquinária do custo de oportunidade funcionar (RICE, RICE, WEDIG, 2015).
A
Psicologia e os serviços psicológicos são produtos de consumo enquadrados na
categoria de serviços. Saúde não é mercadoria, mas é um ótimo negócio! O
adoecimento (ou mesmo o receio de adoecer) é uma indústria milionária que pode
ser descrita em números americanos formados por siglas confusas relacionadas à
escolha do plano de saúde. Por exemplo: o HMO é o plano mais básico e significa
health maintence organization e dá
direito apenas a um médico clínico geral; mas se o cliente quiser algo além,
pode optar pelo PPO, que irá permitir consultas com especialistas da rede
coberta pelo plano (chamado de in network). Se o consumidor preferir algo
independente de regulamentação governamental, ainda há as opções do HealthCare.org,
por exemplo. No fim das contas, a saúde movimenta aproximadamente 3 trilhões de
dólares por ano, mesmo em anos de pouco crescimento econômico (MARTIN et al.,
2012)
Os
serviços em Psicologia não funcionam no vácuo econômico. Eles se dão nesta
engenharia mercadológica que auxilia na precificação, na elaboração dos custos
e na aferição das receitas, que são pilares administrativos e econômicos
básicos (FRANK, BERNANKE, 2009). Apesar de não haver ninguém que discorde que a
graduação de Psicologia oferece pouquíssimo conteúdo voltado à gestão,
acredita-se, aqui, que a vida profissional do psicólogo comece exatamente no
momento em que ele pensa como atrair clientes ao seu serviço. Mesmo que este
hiato entre academia e mercado ocorra, o cotidiano pedirá que algumas
competências administrativas e econômicas sejam desenvolvidas.
Retornando
ao conceito econômico que apregoa que o consumidor irá maximizar a qualidade
tentando reduzir o preço, ou o psicólogo equaliza o valor de seu serviço ou
terá uma sobrevida ameaçada pela concorrência. Desta forma, mesmo que sem
nomear perfeitamente, a lei da demanda e da oferta e as lógicas de elasticidade
de preço que precisam de um ingrediente-chave para funcionar: concorrência.
Assim, fica claro que o mercado deva ser sempre considerado também como uma
fonte de consulta bastante eficiente para qualquer disciplina
acadêmica: se algo está no mercado e resiste ao tempo e aos concorrentes, uma
das variáveis causais desta permanência é a eficácia do produto.
A
lista de concorrentes não precisa ser longa para que se perceba os diferentes
posicionamentos que os psicólogos tendem a fazer nesta disputa. De um lado, há
os concorrentes de mesmo nível, que são outros psicólogos oferecendo seus
serviços; de outro lado, há os concorrentes externos, que são os não-psicólogos
oferecendo serviços que atuam exatamente no mesmo objeto. Ainda há nesta esfera
os concorrentes que não ofertam serviços, mas sim produtos, como as caixas
orgônicas e os aparelhos de reprogramação de pensamento. É importante frisar
que não raro será possível vislumbrar que os serviços oferecidos pelos psicólogos
e os oferecidos pelos outros concorrentes não funcionam sob categorias
estanques, mas sim sob uma curva de gradação: o coach e o psicólogo cognitivo-comportamental, por exemplo, poderão
ter estratégias extremamente parecidas para resolver uma situação psicológica,
mesmo que a nomeiem por titulações radicalmente diferentes. Ainda nesta
situação, os produtos também podem ser combinados aos serviços, como no caso do
psicólogo que faz atendimento clínico, mas também se utiliza de uma caixa
orgônica quando julga necessário.
Apesar
do mercado não ter compromisso com a ciência, sabe-se que a ciência se tornou
um valor nas sociedades contemporâneas (GIBBONS et al., 1994, p. 133) e desempenha um papel importante nas interações do
mercado: de um lado há os cientistas criando e adequando descobertas – meio que
sem saber se elas têm valor comercial, e de outro há os agentes comerciais que
têm interesse no desenvolvimento de produtos lucrativos, mas que não estão bem
inteirados do que os cientistas têm feito (HELLMANN, 2007).
A
Psicologia funciona dentro desta estrutura e também disponibiliza seus produtos
aos consumidores. Porém, não é conhecida uma metodologia específica que auxilie
ou norteie a busca de produtos que são desenvolvidos sob égide da Psicologia.
Desta forma, constata-se que o mercado tem alto viés de confirmação associado a
um leque quase infinito de produtos, já que pode apresentar diferentes soluções
que não possuem interesse em responder à pergunta: “o que é ciência” ou “o que
é comportamento”, mas justamente ir para o lado oposto, complicando ainda mais
esta dinâmica.
No
entanto, é justamente nesta quantidade quase ilimitada de possibilidades que
começa a se ver uma saída possível quando se percebe a ascensão e rápida
expansão de projetos como o lumosity
e o cogmed, que movimentam cifras
milionárias e visam o treinamento do
cérebro. Não obstante a ainda falta de evidências robustas sobre a efetividade
destas atividades de treinamento cognitivo (OWEN et al., 2010; UNSWORTH et al., 2015), a alavanca desses projetos não
está na Psicologia no geral, mas especificamente no cérebro, que é o órgão
eleito pelos programas.
Novamente,
o mercado não aponta a solução para a polissemia, mas sim a eleva ao quadrado,
com algum risco de tornar a Psicologia em apenas folk psychology. No entanto, vê-se com desvelo o crescimento que
ocorre nas tecnologias voltadas ao aprimoramento do cérebro.
A Neuropsicologia
A
década de 1950 deflagrou uma espécie de anos dourados à Psicologia. George
Miller, Noam Chomsky, Alan Newell, Herbert Simon e Ulric Neisser, entre outros,
“enterraram” o Behaviorismo que reinava nos Estados Unidos com novas
explicações sobre a inteligência, linguagem, memória e percepção humana. Em
suma, é nesta época que a Psicologia resgata a ponte com a Europa, revisita as
teorias e descobertas dos gestaltistas e abre uma espécie de porta às outras
áreas, como a ciência computacional, a linguística, para semear o que hoje
chamamos de neurociência (MILLER, 2003).
Aqui,
considera-se que a aproximação com outras ciências resultou em um avanço para a
Psicologia. Desta vez, o acúmulo de possíveis descrições e explicações
oferecidas aos objetos da ciência psicológica eram naturalmente discutidos por
profissionais com diferentes formas de pensar e desenvolver teoria, mas que
endereçavam o cérebro como local que representa e interpreta as informações do
ambiente para nele testar suas hipóteses de pesquisa. Outros 4 eixos nortearam
a Psicologia cognitiva: 1. Eventos mentais têm correspondência ponto a ponto com
eventos cerebrais, 2. Todos os eventos mentais ocorrem como resultado do
processamento neural, 3. Os comportamentos não voluntários também ocorrem como
resultado do processamento neural e 4. Os genes são determinantes importantes
do padrão de interconexão entre neurônios e cérebro, bem como aos detalhes de
seu funcionamento (ILARDI; FELDMAN, 2001)
Passo
a passo, esses autores foram endereçando suas descobertas à área cognitiva, que
foi sendo consolidada como uma ciência específica, a ciência cognitiva (GALOTTI,
2015, p. 11) e em um caminho que foi subsidiando a Neuropsicologia. Desta
forma, enquanto a Psicologia cognitiva se ocupava das relações entre funções
cerebrais e cognições, a Neuropsicologia
especificamente via como as lesões cerebrais se associavam às cognições. Ambas
as áreas apresentam sobreposições, o que é esperado, uma vez que seu objeto de
comportamento é similar: o cérebro (GROOME, 2014, p. 12-15).
O que
a Neuropsicologia evidencia é a resposta mais precisa para a definição de
comportamento humano e de ciência. Para estudar o comportamento humano, deve-se
estudar o cérebro e a ciência funciona a partir do paradigma moderno, com
testagem de hipóteses a partir de ferramentas estatísticas.
Considerações
finais
Finalmente,
defendeu-se aqui um posicionamento à definição de Psicologia, bem como o
critério para excluir desta disciplina aquilo que não é compatível.
Argumenta-se que a Psicologia é a ciência que estuda o comportamento humano e
que qualquer teoria que não tenha acumulado tanto evidências para sua
sustentação, como critérios que permitam pesquisas de replicação, devam ser
endereçadas à Psicologia como parte de sua história ou como leque de
influências. As disciplinas que se dizem Psicologia, mas que não utilizam como
método de pesquisa o estatístico, neste artigo, são vistas como Filosofia. Não
perdem seu valor, mas não podem ser vistas como científicas.
Evidentemente,
sabe-se que a ciência se apresenta dinamicamente e suas descobertas são
derivadas do passar do tempo, do aprimoramento instrumental, de paradigmas de
medida e da sofisticação teórica, entre outras. Tendo em vista isto, a saída
oferecida para as possíveis situações onde haja lacunas explicativas reside em
definir a ciência não apenas em seus resultados, mas sim na forma de pensar
orientado por dois pilares fundamentais: ceticismo e lógica estatística.
Neste
sentido, acredita-se que o que se entenda por Psicologia é, na verdade,
Neuropsicologia, uma vez que esta resolveu os problemas expostos previamente
relacionados à pluralidade de definições, teorias e autores dispersos sobre a
definição da Psicologia. Em outras palavras, a Psicologia não funciona no
vácuo. Desta maneira, quando o presente artigo adota que Psicologia é
Neuropsicologia, ele visa desfazer qualquer polissemia em relação às práticas
que são feitas como se fossem Psicologia, mas que não fornecem evidências de
seu funcionamento.
Na
ponta da lança, um psicólogo é, de fato, um neuropsicólogo, cuja definição de
Psicologia recai muito mais em como a variável cérebro irá atuar criando a
mente e se comportando, do
que como essas estruturas geram o cérebro. Em noção de causalidade, um
Neuropsicólogo não inverte causa e efeito.
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