Cirurgia Bariátrica -
Por que ter um laudo psicológico?
A cirurgia bariátrica
(também chamada de gastroplastia ou ainda, redução de estômago) hoje em dia não
é nenhuma novidade, e a maioria da população tem ao menos um conhecido que se
submeteu a ela. Não vou enfocar aqui os critérios para esta cirurgia, nem os
tipos de cirurgia existentes, mas sim os motivos pelos quais o candidato a uma
intervenção como essa deve se submeter a uma avaliação psicológica, além de
todos os - muitos - exames e testes que são solicitados.
Para título de informação geral, os critérios médicos
(salvo exceções avaliadas caso a caso) são:
- IMC superior a 40, ou a 35 caso haja comorbidades
associadas (ou seja, doenças provocadas ou agravadas pelo excesso de peso,
como diabetes, hipertensão e problemas articulares graves, entre outras);
- Histórico de pelo menos cinco anos de obesidade e
múltiplas tentativas sem sucesso de se perder peso pelos meios
convencionais, ou ainda, perda de peso seguida de recuperação do
peso perdido, inclusive engordando mais.
Para uma cirurgia e
recuperação bem sucedidas, é importante que, além do médico (muitas vezes há a
participação de um endocrinologista no processo, além do cirurgião gástrico e
outros que possam ser necessários ao caso), um fisioterapeuta, um nutricionista
e um psicólogo componham a equipe. Sim, você leu certo, fisioterapeuta. O
motivo é simples, mas muitas vezes negligenciado: uma das principais causas de
óbito nesta cirurgia é por incapacidade cardiorrespiratória do paciente,
avaliação realizada pelo fisioterapeuta. O nutricionista fará a prescrição
dietária para antes e depois da cirurgia, assim como o acompanhamento da dieta,
e o psicólogo apontará se o paciente possui condições emocionais para arcar com
o processo e tudo o que ele acarreta.
Primeiramente, sei que
pode parecer que a avaliação é cara e desnecessária, até porque a maioria das
pessoas acredita que pode manejar qualquer coisa... até que algo que saia de
seu controle aconteça. E essas coisas acontecem, e muito. É complicado de se
pontuar quais são as indicações e as contraindicações psicológicas, pois cada
caso deve ser avaliado por toda a equipe, que apontara se os benefícios
compensarem os potenciais riscos. No entanto, a consequência 'menos grave' de
não estar emocionalmente apto a cirurgia é recuperar o peso perdido na primeira
etapa (afinal, é muito fácil e rápido emagrecer com a dieta líquida e pastosa).
É uma questão de bom senso deixar de 'achismos' e buscar uma confirmação sobre
seu estado emocional antes da cirurgia, pois ela ocasionará
mudanças intensas na vida tanto do operado quanto de seus próximos.
Seria isso um exagero?
Pense no seguinte exemplo: Um casal. A mulher sofre de obesidade mórbida, o
homem é um tanto inseguro, porém essa característica nunca foi muito
perceptível (afinal, uma mulher muito obesa dificilmente seria
"cobiçada", poderia ser a consideração desse homem fictício). A
mulher se submete à cirurgia, emagrece 50 kg, resgata sua autoestima e passa a se
cuidar e se arrumar muito mais (pois agora as roupas lhe servem, e ela não tem
mais receio de que que reparem nela, e ela não é mais alvo de gozações e piadas
maldosas). Então, o homem passa a ter crises de ciúme, isso quando não chega a
agredir fisicamente sua esposa. Resultado: o casal se separa, pois nenhum dos
dois cogitou sobre como seriam as relações sociais deles após uma intervenção
aparentemente de sucesso para redução de peso. Não houve problemas médicos, ela
se adaptou à dieta, tudo funcionou, ela emagreceu. Mas nem ele e nem ela
estavam preparados para este outro fator, o qual poderia ter sido trabalhado,
evitando essa ruptura. Esse é um dos milhares de exemplos que podem ser dados,
e um dos incontáveis problemas que podem decorrer indiretamente da
gastroplastia. Todos os aspectos devem ser considerados, não apenas o sucesso
clínico da redução de peso. E são estes os aspectos que vêm à tona em uma boa
avaliação psicológica.
No entanto, atualmente
vivenciamos dois problemas: não há um protocolo padrão para os cirurgiões
gástricos seguirem e/ou exigirem, então acaba ficando a critério do médico
aceitar ou se recusar a operar um paciente que não se submeteu à avaliação
psicológica; e não há um protocolo padrão de avaliação psicológica
pré-cirúrgica, e cada profissional desenvolve seu próprio método, assim como
qualquer psicólogo pode fazê-lo, independente de estar qualificado ou não.
Outro problema está em encontrar profissionais qualificados. E assim se forma
uma cadeia de complicações, que acabam culminando na não realização da avaliação
psicológica e a sujeição a riscos desnecessários.
Há aqueles casos em que
a ideia de se buscar um psicólogo é aceita. Mas aí surgem dúvidas, tais com
quanto tempo a avaliação leva e como ela é realizada. Primeiramente, o
candidato deve estar ciente que a avaliação é sim um pouco demorada. Não
conheci até hoje um profissional que se propusesse a emitir um laudo após uma
única consulta, e honestamente desconfiaria de um que o fizesse. Normalmente
são necessárias de quatro a dez sessões para se fundamentar o laudo, e
dependendo do candidato, é necessário um período de psicoterapia anterior à
cirurgia, e é possível que o profissional não recomende a intervenção
cirúrgica. Alguns dos fatores que levam à contraindicação, que pode ser
temporária, são:
- Transtornos alimentares ligados à compulsão: pessoas que
comem compulsivamente correm um grande risco de não conseguir seguir as
dietas líquidas e pastosas do pós-operatório, o que pode inclusive levar
um paciente à óbito. Tal transtorno deve estar muito bem controlado para
que a pessoa possa passar por esta fase em segurança.
- Ausência de outros fatores de gerem prazer: pessoas que
tem poucos ou nenhum prazer na vida além da comida são fortes candidatos a
recuperar o peso, sofrer de depressão, tentativas de suicídio e/ou
adotares condutas disfuncionais substitutivas (tais como jogo patológico,
compulsão por sexo, uso abusivo de álcool ou outras drogas, para citar
algumas). É fato que comer é um prazer, e a pessoa que realiza
gastroplastia reduz significantemente a quantidade e a qualidade dos
alimentos ingeridos, às vezes de forma definitiva. É frequente que os
pacientes sintam que alguns tipos de alimento 'não descem' como antes,
causam vômitos e mal estar, logo, passam a ser evitados. Se não houver
outras fontes significativas e funcionais de prazer na vida do indivíduo,
a cirurgia deve ser adiada para após um período de terapia. Caso seja
constatado que o paciente tem condições de resgatar atividades prazerosas
após a perda de peso (ou ainda, se o paciente necessitar emagrecer
urgentemente por questões médicas), é imprescindível que haja o
acompanhamento do paciente após a cirurgia.
- Concepções equivocadas sobre os efeitos da cirurgia:
algumas pessoas creem que após seis meses terão um corpo
perfeito e terão todos os problemas resolvidos, entre outras crenças
fantasiosas. É preciso que o candidato à esta intervenção esteja ciente de
que na grande maioria dos casos haverá flacidez, sobras de pele e redução
drástica do tamanho dos seios nas mulheres, para citar alguns exemplos
sobre como o tão sonhado 'corpo perfeito' dificilmente será alcançado
apenas com a cirurgia; não há garantia alguma de que a pessoa conseguirá
uma melhor colocação no mercado de trabalho ou encontrá um parceiro
afetivo. Cada um desses aspectos depende de diversos fatores, e, deixando
a hipocrisia de lado, sabemos que a aparência é um deles. Mas nenhum ganho
será mantido sem os outros fatores que os sustentam, e isso abrange muito
mais do que um corpo.
Neste texto o tema foi
abordado de maneira ampla e superficial, com o objetivo de trazer a reflexão
sobre a importância da atuação da equipe multidisciplinar no tratamento
cirúrgico da obesidade. Obviamente muita coisa ficou de fora, mas terei muito
prazer em aprofundar qualquer aspecto pertinente que for solicitado. Vale a
pensa pensar a respeito.