INTRODUÇÃO A
HISTÓRIA DA PSICOLOGIA
1.1. Definição
Psicologia é a ciência da alma, ou da
psique, ou da mente, ou do comportamento. Refere-se, na verdade, a um conjunto
de funções que se distinguem em três grandes vias: a via ativa
(movimentos, instintos, hábitos, vontade, liberdade, tendências, e
inconsciente); a via afetiva (prazer e dor, emoção, sentimento, paixão, amor);
e a via intelectiva (sensação, percepção, imaginação, memória, idéias,
associação de idéias). Estas três vias articulam-se em grandes
sínteses mentais, tais como: atenção, linguagem e pensamento, inteligência,
julgamento, raciocínio e personalidade (Meynard, 1958). Estas funções também
são conhecidas como cognitivas, afetivas e conativas. As cognições são as
capacidades do intelecto, as afeições são os sentimentos e emoções, e a conação
refere-se as nossas atividades, que são as respostas expressivas ou
comportamentais. A conação como uma expressão de si para o outro traz sempre
implicações, sejam boas ou más (Tabela 1).
Tabela 1
Manifestações Psicológicas
Via
Ativa
|
Via
Afetiva
|
Via
Cognitiva
|
Movimentos
Instintos
Hábitos
Vontade
Liberdade
Tendências
Inconsciente
|
Prazer
Dor
Emoção
Sentimento
Paixão
Amor
Ódio
|
Sensação
Percepção
Imaginação
Memória
Idéias
|
Grandes Sínteses
|
||
Atenção
Consciência
Linguagem
Pensamento
Inteligência
Julgamento
Raciocínio
Personalidade
|
Sabemos que a nossa história de vida
caracteriza-se por um longo desenvolvimento físico e mental. Este
desenvolvimento pode encontrar, em sua trajetória, fatores favoráveis e
desfavoráveis. Ele recebe influências dos grupos sociais que nos envolvem em diferentes
camadas e de diferentes modos. O desenvolvimento psicológico consiste na
formação gradativa de sínteses mentais. Estas sínteses expressam-se no nosso
modo de ser e de agir que juntamente com nossas características herdadas
constituem a personalidade. Pode-se dizer, então, que o estudo da psicologia
organiza-se: no interesse do conhecimento das funções psicológicas básicas em
suas três vias; no interesse de saber como estas funções se desenvolvem; no
interesse de saber o que é facilitador ou impeditivo deste desenvolvimento
(Seriam ambientais? Seriam neurofisiológicos? Seriam restrito a área dos
afetos? Seriam problemas na formação de hábitos? Seriam existenciais? Seriam
comportamentais? Seriam cognitivos? Seriam sócio-econômicos? Seriam
ecológicos?); no interesse de saber como propor tratamentos para os fatores
impeditivos do desenvolvimento em todas as fases da nossa vida (pré-natal,
infância, adolescência, adulto jovem, adulto, envelhecimento e morte). A
psicologia interessa-se ainda pelo ambiente em que vivemos, pelo arquitetura de
nossa casa, pela organização da nossa cidade (vida comunitária, trânsito,
ruídos, violência), por nosso desempenho na escola, pelo modo como os
professores desenvolvem suas tarefas, pela nossa escolha profissional, pelo nosso
relacionamento com a família e com os amigos, pela nossa adaptação e satisfação
profissional, pela escolha de nossos parceiros afetivos (namoro, casamento,
divórcio, relacionamento com os filhos) e pelos nossos desapontamentos e
frustrações. O melhor modo de obter este conhecimento e de transformá-lo em
ferramentas de atuação profissional é motivo de muita polêmica e inspiração
para uma grande proliferação de teorias. Em outras palavras, ainda temos muito
o que aprender sobre a complexidade deste homo sapiens sapiens.
O campo da psicologia é muito
vasto. Inclui atividades consagradas como a psicologia clínica, escolar,
atividades em pesquisas básicas como o estudo dos processos psiconeurológicos e
memória, e um enorme conjunto de possibilidades aplicadas e de pesquisa que
inclui matemática, física, informática, engenharia, enfermagem, trânsito,
ecologia, psicofísica, genética, administração, comunidade, sociologia,
antropologia, educação e marketing. Um estudante de psicologia que é
naturalmente curioso, que gosta de desafios e que consegue antever os rumos do
desenvolvimento social e econômico terá um papel destacado na profissão e muito
sucesso. Na verdade, a psicologia é uma ciência aplicada mas também
uma ciência básica de grande importância para qualquer campo de conhecimento.
Uma maneira de entender o vasto campo da psicologia é distinguir suas duas
grandes tradições. De um lado, o interesse em saber o que é o nosso intelecto,
isto é, a nossa capacidade de conhecer (via cognitiva). Do outro, o interesse
em saber como e porque somos diferentes uns dos outros e respondemos de modos
diferentes as influências ambientais (via afetiva e conativa). Por exemplo, por
que de uma mesma família sai um filho altruísta e dedicado às soluções dos
grandes problemas da humanidade e um outro delinqüente e criminoso? Por que uma
criança vai para a escola e aprende as lições com a maior facilidade e uma
outra apresenta uma grande dificuldade no seu aprendizado?
A psicologia que conhecemos hoje é o
resultado da confluência de preocupações e métodos oriundos da filosofia e da
fisiologia. Todas as funções psicológicas decorrem de processos orgânicos.
Avanços nos campos da genética, neurofisiologia e bioquímica trouxeram
importantes esclarecimentos sobre processos psicológicos básicos como, por
exemplo, hereditariedade, agressividade, depressão e ansiedade. Por outro lado,
o modo como formulamos perguntas, encaminhamos modos de resposta e organizamos
nosso conhecimento é muito influenciado por toda a história da filosofia. Assim,
o objetivo do Curso de História da Psicologia é percorrer, brevemente, alguns
dos principais caminhos da psicologia, desde os antigos gregos até a criação
dos cursos de psicologia no Brasil.
1.2 A natureza do conhecimento histórico
Ao
iniciar um curso de história da psicologia temos que considerar algumas
questões básicas sobre o estudo de história e sobre a veracidade do
conhecimento histórico. Neste sentido, vamos examinar quatro perguntas, são
elas: 1) o que é um fato histórico? 2) que história da psicologia será
apresentada nesta disciplina? 3) como se estabelecem relações entre fatos
históricos? e 4) qual a importância do estudo da história da psicologia?
O fato histórico refere-se a um
episódio que aconteceu em algum lugar do passado e cuja a verificação é
limitada. Esse fato permanece através de efeitos a ele atribuídos que podem ser
verdadeiros ou não. São vestígios e pistas que podem indicar sua
ocorrência e ensejar interpretações diversas. O problema é como interpretar
estes vestígios para descrevê-los de tal modo que faça sentido e indique sua
importância. Assim, a história é sempre parcial pois apóia-se na seletividade
de quem reuniu os fatos ditos históricos e organizou a narrativa. O que temos
são versões dos fatos que ganham credibilidade de acordo com as evidências
apresentadas, como documentos da época ou fontes primárias.
As relações entre os fatos históricos
são sugestões interpretativas baseadas em argumentos que podem ser aceitos ou
não. Neste sentido, uma pergunta clássica é: são os fatos históricos encadeados
por si mesmos ou somos nós que oferecemos este encadeamento? Na verdade, os
encadeamentos históricos são propostas analíticas de historiadores. Alguns
impõem-se pelo consenso. Outros, são alvos constante de debates. Outros,
sobrevivem como marcos referenciais na forma de consagração de heróis e na
exaltação da sua contribuição histórica. Ainda, o relacionamento e contraste de
fatos históricos envolve um debate importante sobre a natureza do
desenvolvimento do conhecimento. A pergunta é: seria este desenvolvimento
contínuo ou descontínuo? O que está relacionado a quê? O que sucede o quê? As
respostas são sempre interpretações e conjecturas?
Por fim, diante de tantas limitações,
vale a pena estudar história? Apesar de todas estas limitações, a história é o
melhor modo de se iniciar em um campo de estudo. É através da história que se
identifica a origem dos conceitos e dos equívocos que muitas vezes atrasaram ou
anteciparam grandes descobertas. É o melhor caminho para o conhecimento das
diferentes tradições, e do desenvolvimento das principais idéias de uma
determinada ciência. É bem verdade que o estudo da história de um campo ainda
desconhecido é, de certa forma, árido e cansativo. Deve-se também alertar que a
escolha da psicologia como objeto de estudo é, muitas vezes, contextualizado em
entendimentos equivocados e míticos que causam grande desconforto e
desencorajamento ao jovem estudante. No entanto, dê uma chance à história. Uma
sugestão talvez caiba neste momento. Por que não colocar em suspensão suas
teorias pessoais sobre psicologia? É como guardá-las bem cuidadosamente numa
gaveta ou talvez num cofre para que ninguém a roube de você. Então, sem
preconceitos, embarque nesta viagem às muitas possíveis origens da psicologia e
principalmente aos diferentes modos de estudá-la. Depois, volte lá onde estão
guardadas suas teorias, tente localizar suas origens e, porque não, levá-las
adiante, sempre acompanhado de muito rigor crítico. Você pode ser o grande
teórico da psicologia do próximo século.
1.3 Diferentes modos para estudar a história da psicologia
Existem muitos modos de estudar a
história da psicologia. Um modo muito usual é a cronologia ou a crônica dos
eventos. Trata-se da organização do relato histórico numa certa ordem temporal.
É também a imposição do caracter diacrônico da narrativa, isto é, uma coisa
atrás da outra na ordem de ocorrência. Dois importantes historiadores em
psicologia, que deram aos seus relatos uma ênfase cronológica, foram Boring
(1950) e (Murphy) 1949.
O campo da psicologia é conhecido pela
sua fragmentação e pelas disputas teóricas. No início deste século, a história
da psicologia caracterizou-se por grandes escolas ou sistemas. Estas escolas
eram formulações teóricas sobre o que é ou deve ser psicologia. Exemplo destas
grandes escolas, algumas ainda persistindo até hoje, são: psicanálise,
behaviorismo, Gestalt, e funcionalismo. Autores que organizam suas narrativas
históricas em função destas escolas foram Heidbreder (1933), Woodworth e
Sheedan, (1964), Wolman (1960), e Marx e Hillix (1963).
Sabe-se que a psicologia não é um campo
unitário. Há uma grande diversidade de teorias. Quando se diz que é psicólogo,
logo a seguir, além de dizer qual a especialidade, se diz também qual é a
abordagem preferida. Alguns autores contemplaram a história da psicologia do
ponto de vista das diferentes teorias, como por exemplo as teorias de
personalidade (Hall e Lindsey, 1957) e as teorias da aprendizagem (Hilgard,
1956). Estes dois livros são, atualmente, "clássicos" da literatura
psicológica.
Outro modo interessante de estudar
história da psicologia é através da biografia dos grandes psicólogos. Um
exemplo de um livro organizado em pequenas biografias é a History
of Psychology de David Hothersall (1990). Uma antologia de textos
clássicos é Herrnstein e Boring (1971).
Existem também compêndios e
artigos de história da psicologia que tratam do desenvolvimento
desta ciência em diferentes regiões. Hilgard (1987) escreveu sobre a história
da psicologia nos Estados Unidos, e Ardila (1986) sobre a história
da psicologia na América Latina. Quanto ao livro de Hilgard, é interessante
notar o modo como foram organizados os capítulos. Uma parte traz a história das
grandes áreas de pesquisa básica em psicologia: sensação e ciência sensorial,
percepção, aprendizagem e memória, cognição e ciência cognitiva (pensamento,
linguagem, inteligência artificial), consciência (incluindo consciência
subliminar e estados alterados da consciência), sentimentos e emoções, e ação -
motivação - vontade. Outra parte traz a história das grandes subdivisões da
psicologia: psicologia comparada enquanto biologia comportamental - evolução e
genética; psicologia fisiológica enquanto neurociência; inteligência - medida e
controvérsia; personalidade; desenvolvimento; social; clínica; psicologia e
educação; e, por fim, psicologia do trabalho e das organizações. O último
capítulo do livro de Hilgard contempla o dilema existencial da psicologia:
psicologia - ciência natural ou humana?...
Autor: William B. Gomes
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